Bogotá

- Com licença - Eu disse

Naquele onibus comum, meu rotineiro traço de educação passou despercebido, ou ignorado. Ainda não decifrei qual dos dois.

Aquela mulher de cabelos castanhos e nariz pontiagudo seria minha companhia durante o costumeiro trajeto até minha igreja.

-Ah! Tem aquele livro! - Pensei

Tirei da mochila um livreto, "Pequeno Principe". Depois de tantos anos, ainda guardava o gosto pela historia do principezinho. Infantil, eu sei. Mas de sabedoria de sobra.

Pus-me a ler o livreto, como quem estuda um material precioso. O príncipe ja estava em sua jornada pelos asteróides vizinhos quando ouço:

-É a primeira vez que lê este livro?

A mulher ao meu lado questionou... como quem queria puxar assunto

-Sim. Digo... Não. Na verdade, eu ja li antes pela internet. Mas o livro é novo.

Pensei em explicar toda a minha complexidade e cafonice por optar piamente por livros fisicos ao invés dos digitais. Mas poupei-a do triste discurso.

- As pessoas daqui não gostam de ler. Ainda mais nos onibus - indagou a minha companhia.

-As pessoas daqui são loucas - pensei.

Calei.

-Ah, eu gosto. Inclusive sempre ando com varios livros na mochila - respondi entusiasmado.

-Quais livros você tem aí? - Ela perguntou.

Abri o fecho do meio da minha mochila onde, por tradição, guardo os livros que levo em viagem. Haviam outros três. Um livro intacto de poesias, uma Bíblia, e meu caderno de poesias.

Pegando o livro novinho nas mãos, eu o observei. Isso pelo simples fato de saber que teria que entrega-lo a ela. Nada contra deixar ela ver o livro. Na verdade, tem um problema. Odeio que peguem meus livros. Ciumes? Talvez.

Como quem invade o espaço alheio, a mulher tomou-me o livro das mãos. O sangue ja subia a cabeça. Quando num gesto sublime ela cheirou as folhas do livro.

-Ela tambem gosta do cheiro de livro!! - Pensei empolgado.

Calei.

Finalmente havia encontrado uma amante da boa e brega arte da leitura física. Nada contra notes, Pads,Kindles e afins... Na verdade. Tenho muito contra. Mas vou poupar-lhes do triste discurso.

Ja tinha percebido o portunhol vazado de sua boca. Curioso, perguntei:

-De onde você é?

- De bogotá!

-Ah...!

Depois de certo tempo descobrindo sobre a minha companhia colombiana, ela perguntou:

-Que mais você tem aí? - falava dos meus livros.

Mostrei-lhe a bíblia e, com certo receio, deslizei a mão até meu caderno de poesias. Tirando-o da mochila, simplismente entreguei. Nao expliquei do que se tratava. Quando ela abriu se assustou, achando que era um diário ou semelhante.

-Não Não. Não se preocupe. São só poesias que escrevo.

Ela se suspreendeu e pôs-se a ler.

Folheava as páginas sem se prender muito a nada. Aquilo me incomodava.

-Como ela não leu aquela poesia? - pensei.

Calei.

Após algum tempo, Bogotá se fixou em uma poesia. Estava nas páginas finais, logo deduzi que era uma das poesias recentes.

Estiquei o pescoço da minha forma pseudodiscreta para espiar qual era.

"Samba pra Mel"

Antes de falar qualquer coisa a respeito, ela começou a folhear meu caderno como quem procura algo em específico, e foi até o outro texto com título semelhante.

E depois outro... e outro...

A simpática companhia estava traçando uma linha do tempo lendo minhas poesias.

-Quem é Mel? Ela me parece ser uma pessoa fantástica! - Bogotá disse.

-A Mel é um personagem que eu criei pras minhas poesias. Personagens ilustram muito bem tudo o que...

Percebi que, apesar da minha resposta se encaixar na pergunta, não era isso que Bogotá queria saber.

Fiquei sem jeito. Nunca havia contado a historia da Mel para um desconhecido. Na verdade... poucos conhecidos sabiam da história.

Depois de certo silêncio, Bogotá se contentou com minha indigna resposta e devolveu me o livro. Sem pronunciamos mais nenhuma palavra seguimos viagem.

Minutos depois... pensativo sobre o que havia ocorrido. Mais uma vez peguei meu caderno na mochila e, como quem toma coragem pra pular num tobogã, disse:

-Você quer saber sobre a Mel?

-Adoro histórias de amor! - Disse Bogotá confirmando com a cabeça. Animada.

-As pessoas daqui são muito amigáveis... mas são rasas... Não vejo muito amor. - completou Bogotá.

E então, contei-lhe a historia da Mel... cheia de amor, intrigas, sorrisos, tristezas e verdades.

Poderia contar-lhes também, mas a história é longa.

Vou poupar-lhes do discurso que, dessa vez, não é nada triste.

E assim foi meu encontro com a mulher de cabelos castanho e nariz pontiagudo que, por sua vez, tornou-se Bogotá.

Bogotá, assim como a Mel, tornou-se um personagem das minhas linhas. Parte da minha vida. Apesar de não termos trocado numeros nem semelhantes, espero reencontra-la um dia. Espero que ela leia isso um dia.

Achei seu nome complicado demais.. perguntei umas três vezes, depois desisti. Lembro que começava com "J".

Bogotá, a colombiana, de cabelos castanhos e nariz pontiagudo que ama cheiro de livro e de ouvir histórias de amor!