O dinheiro...
O dinheiro
Ano de 1966…
Naquele tempo, por estes lados do sertão mineiro, a vida era muito difícil. Por falta de estradas, a ligação com as cidades próximas e também com os grandes centros, fazia o progresso parecer mais distante.
A vida daquelas pessoas em sua maioria, era sem grandes novidades e porque não dizer, sem perspectivas de melhoras.
As notícias dos grandes centros, só chegavam através do rádio e as da região, quando se iam à cidade ou como diziam, no comércio. Ali ficavam por dentro dos acontecimentos.
Por isso, a grande maioria deixava para ir no sábado, dia de feira. Além de poder levar alguma mercadoria para vender, adquirir também algum produto de suas necessidades e lógico, rever os amigos, parentes, saber das notícias, etc e tal.
O meio de transporte era precário, pouquíssimas pessoas tinham automóveis, alguns poucos caminhões pau-de-arara faziam as “linhas” para alguns lugares mais distantes – como o do seu Argemiro, um ford a gasolina, que era raridade o dia que ele não quebrava na estrada – mas a maioria mesmo, iam às cavalo ou em carro-de-bois e outros à pé.
Mato Verde era uma dessas cidades, perdida nesse sertão mineiro. Não havia energia elétrica, nem água canalizada e muito menos tratada.
O abastecimento das casas se fazia em sua grande maioria, buscando água na cabeça e também em carro-de-bois e carro-de-carneiro, no rio que margeava a cidade.
No sábado, devido ao grande acúmulo de gente, o consumo de água aumentava muito assim,
era muito comum na estrada de entrada da cidade, um verdadeiro “burburinho” de vai-e-vem: de gente, animais, carro-de-bois; gente com lada d´água na cabeça; com bacia na cabeça, cheia de vasilhas de cozinha; trouxa de roupa, etc., tudo em direção ou retornando do rio. Àquilo mais parecia um cominho de formigueiro em ação.
Àquele menino com seus 9 anos sempre que podia, gostava de ir com seus pais. Moravam na roça. Antes , quando iam toda família, iam de carro-de-bois, mas alí, o pai já havia adquirido um carrinho – um jeep – ficava mais fácil.
Quando chegava lá, ele ajudava sua mãe a fazer a feira, depois ficava perambulando por aqui, olhando as coisas de comer, em especial os “casadinhos” , doce de mamão com rapadura (tijolo) com requeijão e também as lingüiças de porco frita na chama do fugareiro de querosene.
Ele adorava comer essas iguarias, mas nem sempre tinha um dinheirinho para comprar.
Naquela época a criação era muito rigorosa, não se tinha muita liberdade com os pais e por isso, nem sempre os filhos ficavam insistindo em querer alguma coisa.
E com ele era assim, ele pedia a mãe, ela dava uns trocados – pois o dinheiro também era curto, como diziam – mas às vezes só dava pra comprar o casadinho a linguiça não.
E isso sempre repetia nas visitas ali.
Certo vez, ele andava pelo meio das barracas, quando viu uma nota de dinheiro no chão...
20 cruzeiros (naquele tempo era um bom dinheiro) o coraçãozinho dele disparou...ele ficou olhando para ver se apareceria o dono...muito tímido, acanhado, menino de vergonha, ficou com medo de pegar o dinheiro e alguém dizer que era dele.
Passado alguns instantes, ninguém apareceu então ele se encheu de coragem, foi até o lugar e parou de fronte a barraca e pisou sobre o dinheiro para que ninguém visse.
Ficou um tempo considerado ali. Tendo a certeza de que o dono do dinheiro não apareceria, ele olhou para um lado, olhou para o outro, abaixou-se simulou que estivesse amarrando o cadarço do sapato, pegou o dinheiro e saiu desconfiado dali.
Mesmo assim, ainda deu um volta bem longe para ter a certeza de que o dono do dinheiro não havia aparecido.
Os 20 cruzeiros deu pra ele matar a vontade das linguiças e também dos casadinhos e ainda sobrou um bom dinheirinho.