LARGO DA MATRIZ
Por Regina Glýcia
Ás cinco horas, mais ou menos, a moçada do pedaço terminava o que estava fazendo, largava livro e cadernos e corria para o Largo da Matriz.
Lá se reunia, todas tardes, um grupo de jovens das adjacências para conversar, namorar, andar de bicicleta: era muito acolhedor e divertido esse entrosamento juvenil, ao som de um piano, de um lado do Ditinho Fernandes e do outro, na casa do Senhor Norival Tavares. Ou Carminha, ou Alaíde ou Lia tocavam; todos eram chegados á música.
Arthur largava um pouquinho a Brhama para seu pai cuidar. Elisabeth Saad dava uma folga para sua mãe no Bazar Mogi, Dona Gina, os irmãos Toninho e Cornélio, o amado Chicão, Cuco, Marino, Irene, Aninha,Yacy, Glicéria, Dodô, Cimar, Carmem, Brígida, Mara, Zalfa, Linda, Yara e outros, lá estavam, marcando ponto ao cair da tarde.
Inês e Fernando Prado andavam de bicicleta, Rosa Maria corria a namorar Nori.
Vinham de outras bandas da cidade, Marcos Pavan, Numa, Hideo Egoshi, Mary, Francesly; Belinha, Dalva e Lula, irmãs inseparáveis, mais o seu irmão Nino, e enquanto a noite não caía, lá ficávamos tagarelando, inventando coisas, marcando festas, matinês dançantes e outros movimentos da época.
Neide e Cid, em seu banco cativo, num namoro eterno, já escolhiam o nome dos filhos.
Muitas vezes, Dona Iracema Brasil, rastreando sua Mara incansavelmente, chegava até nós e era imediatamente rodeada pela turma que a adorava. Risonha, cabecinha branca, tinha conversa para todos; gostava mesmo de estar rodeada de jovens, como fez a vida inteira. Passava sua energia, ternura, esperança e conhecimentos.
Quando a noite derrubava seu manto, todos corriam para casa e o Largo da Matriz ficava completamente silencioso e solitário. Não adiantava nem a lua aparecer, chamar, implorar, inundar o chão com suas lágrimas prateadas, com a promessa de idílios, nem o vento morno, segredar encontros, prever romances, que ninguém atendia aos seus apelos; somente muito mais tarde é que os seresteiros apareciam para realizar seus intentos e atender aos seus chamados.
Quando o sino da Matriz, em suas seis badaladas, anunciava o fim do dia, subíamos correndo as escadas da nossa casa e encontrávamos minha avó, Maria Del Carmem Merchan, tocando castanholas, enquanto esperava a família se reunir, para servir o jantar, tarefa que executava com infinito amor.
Jamais meu pai sentou á mesa sem que estivessem todos presentes. “Todas”, porque éramos só mulheres e ele o único varão “bendito entre as mulheres”.
Enquanto saboreávamos a deliciosa comida caseira preparada artisticamente, apesar de simples, pela minha devotada avó, que fazia da cozinha uma arte, participávamos de um campeonato de adivinhação que meu pai inventava, para melhorar nosso conhecimento. Consistia em procurar, de um dia para o outro, alguma palavra no dicionário, estipulada por ele, bem fora de uso mesmo. Sempre a campeã era a minha irmã mais velha, que era sabichona.
O Largo da Matriz era espaço para quermesses, feiras, comícios. Era lá que as personagens do mundo político eram recebidas com discursos, geralmente proferidos por meu pai, que era orador oficial desses eventos.
Festa do Divino, Festa de Sant’Ana, palanques de desfiles, Feira das Nações, Festas Juninas, tinham seus dias de glória definidos, no amado Largo da Matriz. Era lugar para qualquer concentração.
E o obelisco, ponto primaz da cidade, olhando as gerações que se sucederam á sua volta, impassível ás intempéries, cortando o luar, o vento, a neblina ou a garoa, hoje está adulterado em sua base. Mas se pudesse falar, certamente contaria da saudade daquele grupo de jovens buliçosos, alegres, barulhentos, que como ele, tornou-se marco da cidade.
__________________
Regina Glycia Costa nasceu em Mogi das Cruzes, onde reside até hoje. Tem quatro filhos: Nelson, Régis, Fábio e Guilherme. É professora de educação física, aposentada, e tem como hobbies a poesia, a música. Ama as crianças e a natureza. Adora ler e escrever. É autora do livro “Amor Perfeito”, de onde foi extraído este texto.
Por Regina Glýcia
Ás cinco horas, mais ou menos, a moçada do pedaço terminava o que estava fazendo, largava livro e cadernos e corria para o Largo da Matriz.
Lá se reunia, todas tardes, um grupo de jovens das adjacências para conversar, namorar, andar de bicicleta: era muito acolhedor e divertido esse entrosamento juvenil, ao som de um piano, de um lado do Ditinho Fernandes e do outro, na casa do Senhor Norival Tavares. Ou Carminha, ou Alaíde ou Lia tocavam; todos eram chegados á música.
Arthur largava um pouquinho a Brhama para seu pai cuidar. Elisabeth Saad dava uma folga para sua mãe no Bazar Mogi, Dona Gina, os irmãos Toninho e Cornélio, o amado Chicão, Cuco, Marino, Irene, Aninha,Yacy, Glicéria, Dodô, Cimar, Carmem, Brígida, Mara, Zalfa, Linda, Yara e outros, lá estavam, marcando ponto ao cair da tarde.
Inês e Fernando Prado andavam de bicicleta, Rosa Maria corria a namorar Nori.
Vinham de outras bandas da cidade, Marcos Pavan, Numa, Hideo Egoshi, Mary, Francesly; Belinha, Dalva e Lula, irmãs inseparáveis, mais o seu irmão Nino, e enquanto a noite não caía, lá ficávamos tagarelando, inventando coisas, marcando festas, matinês dançantes e outros movimentos da época.
Neide e Cid, em seu banco cativo, num namoro eterno, já escolhiam o nome dos filhos.
Muitas vezes, Dona Iracema Brasil, rastreando sua Mara incansavelmente, chegava até nós e era imediatamente rodeada pela turma que a adorava. Risonha, cabecinha branca, tinha conversa para todos; gostava mesmo de estar rodeada de jovens, como fez a vida inteira. Passava sua energia, ternura, esperança e conhecimentos.
Quando a noite derrubava seu manto, todos corriam para casa e o Largo da Matriz ficava completamente silencioso e solitário. Não adiantava nem a lua aparecer, chamar, implorar, inundar o chão com suas lágrimas prateadas, com a promessa de idílios, nem o vento morno, segredar encontros, prever romances, que ninguém atendia aos seus apelos; somente muito mais tarde é que os seresteiros apareciam para realizar seus intentos e atender aos seus chamados.
Quando o sino da Matriz, em suas seis badaladas, anunciava o fim do dia, subíamos correndo as escadas da nossa casa e encontrávamos minha avó, Maria Del Carmem Merchan, tocando castanholas, enquanto esperava a família se reunir, para servir o jantar, tarefa que executava com infinito amor.
Jamais meu pai sentou á mesa sem que estivessem todos presentes. “Todas”, porque éramos só mulheres e ele o único varão “bendito entre as mulheres”.
Enquanto saboreávamos a deliciosa comida caseira preparada artisticamente, apesar de simples, pela minha devotada avó, que fazia da cozinha uma arte, participávamos de um campeonato de adivinhação que meu pai inventava, para melhorar nosso conhecimento. Consistia em procurar, de um dia para o outro, alguma palavra no dicionário, estipulada por ele, bem fora de uso mesmo. Sempre a campeã era a minha irmã mais velha, que era sabichona.
O Largo da Matriz era espaço para quermesses, feiras, comícios. Era lá que as personagens do mundo político eram recebidas com discursos, geralmente proferidos por meu pai, que era orador oficial desses eventos.
Festa do Divino, Festa de Sant’Ana, palanques de desfiles, Feira das Nações, Festas Juninas, tinham seus dias de glória definidos, no amado Largo da Matriz. Era lugar para qualquer concentração.
E o obelisco, ponto primaz da cidade, olhando as gerações que se sucederam á sua volta, impassível ás intempéries, cortando o luar, o vento, a neblina ou a garoa, hoje está adulterado em sua base. Mas se pudesse falar, certamente contaria da saudade daquele grupo de jovens buliçosos, alegres, barulhentos, que como ele, tornou-se marco da cidade.
__________________
Regina Glycia Costa nasceu em Mogi das Cruzes, onde reside até hoje. Tem quatro filhos: Nelson, Régis, Fábio e Guilherme. É professora de educação física, aposentada, e tem como hobbies a poesia, a música. Ama as crianças e a natureza. Adora ler e escrever. É autora do livro “Amor Perfeito”, de onde foi extraído este texto.