Lição de Moral

Como de costume ele preferiu Caracu à Bohemia, pau-Pereira à carqueja: Que “mala sem alça” esse tal de Epaminondas, sempre do contra. Torce pro América, não xinga, não olha para as ancas das senhoras e é sempre o primeiro a ir embora pra casa: “Vou pra junto de Isolda, pois ela me aguarda para o jantar” Faça-me o favor!

- Deixa o homem quieto Teobaldo, cada um faz o que lhe parece melhor! Respondeu Felizardo Tristão, Feliz para os íntimos, que foi o único a tomar partido de Epaminondas, já que todos naquela birosca tinham a mesma opinião a respeito do tal.

- Ah, dá um tempo Feliz! Retrucou Teobaldo, e pediu mais uma Bohemia... Mas que cerveja quente é essa? Reclamou ele. Felizardo então passou a mão no seu copo e bebeu tudo numa só golada – O que é isso Feliz, tá caducando? A cerveja é minha! – Ué, pensei que tu não quisesse. Viu? Como tu tava reclamando de barriga cheia, ou melhor, de cara cheia, se tivesse tão ruim assim tu não tinha se importado, pode deixar que eu pago – Lá vem você de novo com sua filosofia de botequim, era só o que me faltava! Replicou Teobaldo.

Felizardo então terminou de beber a cerveja, pagou e despediu-se – É outro, meu amigo, mas, sempre gostou desse lenga-lenga, Disse Teobaldo. Quando trabalhávamos no cais do porto ele armou uma pra mim, perdi meu pagamento todo, ele achou e ficou quieto, mesmo vendo meu desespero, só me devolveu horas mais tarde e disse: “A sensação da perda faz até o pouco parecer muito!”. Sempre com esses jargões: “Mais vale um sapato furado que não ter pé”, blá-blá-blá, blá-blá-blá! Uma vez escondeu minha marmita pra eu aprender a não me queixar por não ter mistura, já que pelo menos tinha o que comer.

Certa feita eu estava meio cabisbaixo por causa duma crise de hemorroida, daí ele me chamou pra visitar um amigo no hospital, mas na verdade me levou na ala de pacientes terminais e disse: “Tá reclamando do que Teobaldo! Tá reclamando do que Teobaldo!” Sempre querendo dar lição de moral. Já vai tarde.

Dias depois estavam todos reunidos no bar quando Felizardo chegou dando a notícia de que Epaminondas falecera: Todos no local ficaram muito tristes, sobretudo Teobaldo que criticara tanto o amigo. No dia seguinte estavam todos reunidos no velório: “Que pena, uma excelente pessoa!”, “Vai fazer falta!”. Um dos que mais choramingavam era Teobaldo: “por que, por que”? Estranhamente Felizardo observava tudo do outro canto da sala sem pronunciar uma palavra ou demonstrar emoções. Teobaldo aproximou-se do caixão e continuo a lamúria: Porque você se foi meu amigo, por que, por quê? Tá bom Teobaldo voltei para irmos tomar uma Caracu, eu disse Caracu, não Bohemia, respondeu Epaminondas enquanto levantava-se do caixão tirando os chumaços de algodão do nariz. Teobaldo e os demais ficaram atônitos de medo até perceberem que foram vítimas de uma brincadeira, Felizardo e Epaminondas se escangalharam de tanto rir.

- Isso só pode ser coisa do Felizardo, esbravejou Teobaldo. Ainda recuperando o fôlego Feliz respondeu: Pra quem achava o Epaminondas uma “mala sem alça” até que tu ficou bem jururu, Né Teobaldo? Mas é isso, infelizmente a maioria das pessoas só identifica a felicidade através da tristeza, nem todos se sentem felizes por estarem com saúde, por exemplo, mas se essa lhes falta, passa ser o que mais eles querem ter.