Auto redenção

Talvez, se fosse qualquer outro dia, em que me encontrasse menos cansado, eu não teria pedido outro conhaque. Mas minhas costas doíam, minhas pernas, minha cabeça, tudo doía.

Cansaço! Essa foi a desculpa que usei pra tentar me enganar. Lá no fundo eu sabia que só queria estender um pouco mais a conversa com a linda atendente do balcão. Não bastasse aquele par de olhos verdes profundos, o contorno suave dos lábios e o sorriso perfeito. Não! Isso não bastava. Para acabar de bagunçar tudo, ela era a ouvinte perfeita.

A conversa fluía, leve como qualquer monólogo. Ela me ouvia atenta falar da lógica de Aristóteles para parecer inteligente, e isso não a incomodava.

Era perfeito de mais. Ainda mais depois da discussão inútil em casa algumas horas antes. Me vinham flashes intermitentes de palavras que não gostei de ter ouvido, o que me forçava a mais um gole e mais uma olhada profunda nos olhos da minha nova parceira de prosa.

De repente, veio a frase que me trouxe de volta a vida:

_Sua esposa ainda não te ligou? Já são quase duas...

Esposa? A ta. Esposa! Tinha me esquecido que em nenhum momento tentei disfarçar a aliança que resplandecia no anelar esquerdo.

O suor desceu da testa entregando meu nervosismo. Era nítida a minha repentina queda pela moça do balcão; talvez pelos efeitos do conhaque, talvez pelo pedaço de raiva que eu ainda guardava da briga mais cedo em casa, ou talvez apenas por descaramento de homem, mas o certo é que a moça havia notado, e mandou aquela pergunta como uma espécie de teste, pra entender minhas intenções. Minha resposta seria o xeque-mate, e em pouco tempo eu estaria afogando as magoas naqueles belos lábios rosados...

Um bipe no celular. Pensei em não olhar, mas senti que talvez fosse um sinal dos céus pra que eu pudesse repensar minha próxima bobagem. Em fração de segundos já estava com o aparelho na mão.

Entre aspas, a mensagem era curta, porém, arrebatadora. Um trecho de uma música da legião Urbana que eu gosto tanto... “ meu amor, cuidado na estrada, e quando você voltar, tranque o portão, feche as janelas, apague a luz e saiba que te amo”...

Aquele resto de raiva que ainda sentia evaporou instantaneamente. Eu tinha um motivo pra voltar. Eu tinha pra quem voltar. E estive perto de me esquecer.

_Ela acabou de mandar uma mensagem, ta me esperando pra dormir. Foi um prazer a conversa. Até qualquer hora. Abraços moça do balcão!...

Foi minha resposta.

Paguei a conta e joguei pelas ruas uma quase culpa que eu não precisei carregar.

Paulinho Souza
Enviado por Paulinho Souza em 17/10/2015
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