A Partida

A tarde havia acabado de cair. Estava quente como normalmente são as tardes de Agosto. Em poucos dias chegaria o dia em que havia deixado tudo para atrás e ido para aonde estava hoje. As pessoas que estavam agora em sua vida nunca saberiam de fato o que foi simplesmente ir.

Por vezes ela tenta mostrar que foi feliz, que não sofreu ao jogar tudo pro alto e simplesmente ir. Mas não foi, o problema não foi arrumar as malas, tirar tudo de um lugar e ir para outro, isso na verdade a empolgava, a enchia de sonhos, de expectativa. Sempre tivera a fama de ser desprendida das coisas, mas na verdade era mesmo, não era só a fama. Os amigos já estavam naquela fase de distanciamento e não doeria muito assim deixá-los sabia que por onde fosse conseguiria novos e eles sobreviveriam sem sua presença, ninguém era insubstituível.

Nada disso doeu ou doeria ela era resolvida com isso. O que doeu e dói até hoje é a partida eminente, o não pertencimento. Sou capaz de ver em seus olhos essa angustia que até hoje a aflige. Às vezes penso ir até lá colocar seu cabelo atrás de sua orelha e olhar bem fundo em seus olhos e dizer: “Não se sinta assim. Também passei por isso, vai passar”, mas como vejo que ela tenta esconder e os olhos destreinados por aqui não sabem enxergar, também acabo agindo como os demais. Vejo também que como eu, ela não pertenceria a lugar nenhum, já cortamos esse laço de uma vez e o não pertencimento muitas vezes é muito melhor que o pertencimento para outros como nós, mas para outros isso é um problema, como foi pra mim.

Diferente dela a partida chegou. Como foi da primeira vez troquei tudo de um lugar para o outro e pendurei a chave na maçaneta. Não me impediram, nem quem tinha o poder de impedir. Estou partindo. Acaricio seus cabelos e lhe dou um beijo na testa, vejo lagrimas em seu rosto e tendo dizer que dará tudo certo, mas um bolo se forma em minha garganta e antes que seja tarde me vou.

Como disse a partida sempre esteve eminente como estão nos olhos dela agora.