A caminho da escola no ônibus Praça 15 de Outubro
Não esperou nem o despertador apitar, pois Pedro já estava habituado a acordar cedo todos os dias para ir trabalhar, sempre no mesmo horário, às 05:20 h. Era professor numa escola de um bairro um pouco distante do seu e perfazia, todos os dias, cinquenta minutos de condução. Segunda à sexta, a mesma rotina. Geralmente, deparava-se com os mesmos rostos dentro do ônibus Praça 15 de Outubro, uns calados, outros; sonolentos, com marcas da noite passada e que ainda estava visível em seus olhos. Homens e mulheres que iam trabalhar, crianças e jovens indo para a escola. Estudar? Seria que eles iam, de fato, estudar ou o faziam apenas por obrigação de seus pais? Pedro pensava consigo e lembrava de algumas situações que vivenciara nos três anos como professor de Matemática da rede pública. Na escola, já vira de tudo um pouco, mas, sempre acontecia algo novo, quebrando a monotonia do ambiente escolar. Ser professor é mesmo uma caixinha de surpresas! Nessa profissão, lida-se com todo tipo de aluno. Há os interessados, que se esforçam para aprender; há quem não queira nada com a "vida" e faz da escola um parque de diversão ou ponto de encontro para ficar conversando com os amigos durante as aulas atrapalhando o professor e os colegas que estão tentando prestar atenção; os que têm dificuldades cognitivas de aprendizagem e necessitam de um trabalho especial por parte do professor, e há, também, aqueles que desrespeitam e chegam a agredir fisicamente o professor. "Há … são muitos alunos e cada um tem suas particularidades e por mais que eu queria nem sempre conseguirei atender a todos", concluiu Pedro. Quase na metade do trajeto feito,vem à sua mente os versos de um poema que uma amiga de Recife, Maria Silva, pernambucana tirada a poeta, lhe apresentou: "Ninguém é de ninguém/ Noventa e nove não é cem/ E eu lhe pergunto, você é quem?" "Bem, eu? Eu sou professor!", disse a si mesmo em pensamento, seguido de um sorriso no rosto. Então, lembrou-se de onde e quando tudo começou, na época do Ensino Médio, em que ensinava os colegas que tinham dificuldades com as "continhas de Matemática". A profissão parecia estar no sangue. Decidiu, desde ali, que seria professor. E assim foi. E é. E está sendo. E será. Não da forma que queria, porque Pedro cria piamente na ideia de que para o aluno aprender bastaria que o professor se esforçasse muito. Sim, o professor deve se esforçar, porém, a gente sabe que na realidade não é necessário apenas isso. Hoje, ele conhece muito bem a situação do professor no Brasil. Desde o salário ao desrespeito dos alunos em sala, entre outras coisinhas que são ossos do ofício. Mas, apesar de tudo que já vivenciou no cotidiano escolar, Pedro realiza o seu trabalho com muito amor, dedicação e entrega, pois acredita naquilo faz. Absorto em seus pensamentos, o jovem professor negro, de vinte e cinco anos, estatura baixa, portando uma bolsa nas costas e um livro nas mãos, nem percebeu o tempo passar. No ônibus, quase vazio, escutava-se a voz cansada do cobrador, que anunciava a última parada do Praça 15 de Outubro. Era também o ponto onde Pedro descia para andar mais dois quarteirões até chegar à escola. Tudo bem, ele não ligava, na verdade, já havia se acostumado e gostava, pois, devido às aulas da pós-graduação, quase nunca lhe sobrava tempo para fazer alguma atividade física. "Adeus, 15 de outubro… Adeus, não, até já, daqui há pouco eu te pego na volta", sorri Pedro, que desce do ônibus e segue a caminho da escola pensando como vai ser o dia de aula e as surpresas que ele guarda. 15 de outubro, dia do professor, o dia mau amanheceu e Pedro está indo dar aula.