A morte nas minhas costas
Eu olhei profundamente aquele rosto mau. Era inimigo. A reencarnação do mal. Sem um tempo para pensar, a Ak 47 fez sua rajada. Mas era diferente agora. Parece que via cada projetil seguindo sua trajetória. O tempo passou a morrer lentamente. Todos os outros tiros e mortos foram caindo em centésimos de segundo, esses projeteis pareciam levar uma hora entre o cano fumegante da arma e o peito dilacerante do homem mau.
Eu era o homem bom. A reencarnação do bem. Matando pessoas de carne, osso e alma. Minha bondade congelava minha visão. Quando o homem caiu, e a arma fumegava em silêncio, minha mão tremia. Minhas pernas adormeciam como se pesassem minhas mortes, colocadas sobre os ombros. Meus assombros silenciaram sob a luz da lua. Estava só. Vitorioso e só. O vento já não ousava soprar, nem de leve, talvez assustado com minha carga. Minhas lágrimas presas rompiam as correntes sem delongas, e esgueiravam-se pelo rosto sujo, topando com manchas secas de sangue respingados, já cicatrizados na pele, marcando como lembrança funesta de um ato de humanidade e bondade.
O olhar de cada homem morrendo me penetrava na pele. Incrustava meu ser com a maldade do homem. Me tornei cada inimigo meu. caí derrotado, como cada um deles, aprisionado como tantos. Caí fulminado. Libertando a casa suspiro uma alma arrancada a chumbo de um corpo estranho. Agora era minha alma que se aprisionava a um atirador de ocasião. Carregando até o fim aquilo que tanto odiou.