Os meninos do meu bairro
Levam uma vida sã e menos prósperos, pois poucos vão a escola buscar um futuro condigno. Sempre nas madrugadas esquartejam a soneca p’ra dar uma mãozinha nos trabalhos domésticos, cultivar a terra e cuidar do gado.
São todos eles amigos de todos no bairro, brincam como se fosse último dia dos dias, curtem nas águas aglomeradas do bairro quando lhes bate a vontade de dar um mergulho nas piscinas que ouviram falar do chefe do bairro Senhor N’dgeti, que fora estudar para a capital na década dos Noventa.
Enquanto o sol levanta-se vagarosamente, saudando os meninos e desejando um bom dia, com raios cintilantes, pairam gargalhadas e palavrões, aguardando no m’thorothoro em volta do depósito bairral com tanta ânsia.
Que entusiasmo! Poucas horas depois, ainda do outro lado da montanha que separa o centro da cidade com o bairro, paira o roncar do m’thorothoro em dezenas de tímpanos que no aguardam escalando a subida de lá das terras do norte.
– Lá vem ele trazendo as refeições. Todos estão animados – Já é ambiente de festa. A conversa emagrece. Muita concentração com a chegada do m’thorothoro.
– Este é meu, fui o primeiro a pegar – Todos disputam embrulhos de lixo que vem da cidade por debaixo do calor das doze, que lhos arrebata insolentemente sem piedade. De corpos transpirados e sobrecarregados de plásticos de migalhas do pão, lá vão eles decalcam o chão leviano em direcção à sombra fantasmagórica da mafureira local, p’ra extrincar as encomendas dos meninos do além.
Cada qual mergulha o braço no interior do saco plástico que leva consigo p’ra acalmar o estômago com os restos de xicowa e xima. Não há mais troca de palavras, estão todos concentrados nas migalhas.
O dia foge lhes lentamente. Sempre sorrindo, com caras de satisfação, agradecem ao m’thorothoro do dia, esperando um novo amanhecer p’ra remexer no m’thorothoro de amanhã. Essa é a rotina dos meninos do meu bairro. Foi lá onde eu nasci.
Glossario
m'thorothoro - tractor
xicowa - um tipo de peixe
xima - papas de farinha de milho