Cidades sem cor

Breve historia sobre uma cidade num futuro próximo

Um dia alguém olhou para as cidades e achou que tanto elas como os seus habitantes eram demasiado tristes.

Tristes as cidades por serem gigantes imensos, onde predominavam os tons de cinza, acentuados pelo passar do tempo, que esbatia as cores alegres de alguns dos seus edifícios. Tristes os seus habitantes por viverem algo perdidos no meio delas, tornados mais tristes nas estações onde o sol brilhava menos, tristes porque as luzes das cidades, iluminavam estas, mas sobrepunha-se á luz natural sem a qual poucos organismos conseguem viver.

Há muito que não se construíam cidades novas, porque as antigas tinham crescido de tal forma que se tinham fundido umas nas outras, não se criando nada de novo, apenas se renovando as zonas mais degradadas ou de comércio e turismo; meros remendos portanto na mancha urbana centenária.

E as cidades tinham crescido de tal forma que o campo deixou de existir, restando apenas as terras mais altas onde era de todo impossível se construir o que quer que fosse.

O campo também deixara de ser necessário, porque nas cidades tudo era produzido, animais e plantas incluídos, tudo em edifícios normalizados, estandardizados, porque a ordem só era possível com a norma, porque sem a norma nada era sustentável, porque fazer uma peça diferente era demasiado caro.

Os habitantes eram tristes se calhar porque também lhes tinham retirado o resto da cor que restava, a cor do campo, a cor de algo diferente.

Alguém reparou também nisto, e reparou que a humanidade tinha mergulhado numa espécie de idade das trevas, de onde parecia não existir saída, alguém reparou que cidades do tamanho de continentes não representavam o progresso, representavam o declínio, porque nada tão grande pode existir por muito tempo, tende a implodir sobre si mesmo, sendo apenas uma questão de tempo para tal acontecer…

Se era impossível de todo o regresso a tempos mais antigos, se era impossível criar cidades mais pequenas, devia-se inovar o que se queria mudar.

Naquele tempo a tecnologia permitia que os limites do homem fossem os limites da imaginação, e por isso alguém imaginou edifícios feitos de materiais que mudassem de cor sempre que os seus proprietários quisessem.

E foi assim que teve lugar a maior revolução urbana desde que o homem deixou as cavernas para construir ele próprio as suas habitações, moldando-as às suas necessidades, não se limitando a adaptar a um local onde decidiu morar.

A alternância de cores serviria para alegrar as épocas com menos sol, serviria para quebrar a monotonia das cidades, serviria para disfarçar as luzes artificiais, serviria para devolver a dinâmica às cidades que se tinham tornado sombrias.

Em teoria a ideia era perfeita, mas a história da humanidade está cheia de exemplos de belas e louváveis teorias que fracassaram quando foram confrontadas com a realidade…

O conceito era tão ousado que alguém se lembrou de o testar antes de aplicar em grande escala.

Escolheu-se a menor das cidades do mundo, e reconstruíram todos os edifícios num espaço curto de tempo, graças à mesma tecnologia que tornou o novo conceito de cidades possível.

A experiência deveria durar 5 anos, e no primeiro os resultados superaram as melhores expectativas: além de fisicamente as cidades terem adquirido um dinamismo inédito, o mesmo se passou com os seus habitantes, de tal ordem que a palavra mais usada para descrever o seu estado de espírito era “euforia” ou mesmo “êxtase”.

Foi então, que no segundo ano as coisas começaram a correr terrivelmente mal, sem que ninguém pudesse explicar porque tal tinha acontecido: a euforia, o êxtase deu muito depressa lugar à normalidade para depois se transformar em apatia.

Além de ninguém saber explicar porque tal acontecera, ninguém sabia como acabar com ela, uma apatia que se ia aprofundando, que ia paralisando a cidade, porque os seus habitantes não passavam de uma espécie de mortos vivos que deambulavam de um lado para o outro, erraticamente, insensíveis a quem ou ao que os rodeava.

“Insensíveis ao que os rodeava”

Alguém pensou nesta frase e ousou colocar uma hipótese:

- E se as pessoas, por viverem imersas no belo, nunca o deixando quer de ver, que de sentir, devido a este grau de exposição se tivessem insensibilizado a ele?

O que era uma hipótese ousada fazia todo o sentido: a natureza do ser humano faz com que, se exposto demasiado tempo a um estimulo, se torne insensível a ele.

Segundo este raciocínio o que parecia impossível tinha acontecido:

- A cidade era o belo, tudo nela era belo, pelo que os humanos se tinham insensibilizado ao belo.

Para testar esta ideia, alguns dos habitantes foram transferidos para outras cidades, bastando apenas alguns dias para que a sua apatia desaparecesse.

Porque é a tristeza que nos faz valorizar a alegria, é o feio que nos faz admirar o belo, são opostos que não podem existir um sem o outro.

Porque eram as nossas emoções, os nossos estados de alma que davam realmente cor às cidades, e sem elas, as cores podiam variar, podiam ser mais alegres, mas sem a reacção humana seriam cidades mortas, cidades sem alma.

As cidades, a humanidade, sem dúvida que iriam um dia acabar, mas como tudo na natureza tem um tempo natural de existir, no dia em que tudo acabar, será não pelos nossos erros, mas apenas porque chegou a altura de tal…

Que cor teriam as cidades do futuro, como seria o nosso fim?

Duas perguntas difíceis de responder, porque o cenário delas é tão longínquo como esse fim, que todos receamos, que todos sabemos ir ter lugar, algures no futuro que não iremos viver por estar demasiado distante, quer de nós quer daqueles que nos irão suceder…

Miguel Patrício Gomes
Enviado por Miguel Patrício Gomes em 06/10/2015
Reeditado em 07/10/2015
Código do texto: T5406436
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