Prova de amor
_Por que estou aqui? Não é uma história de que me orgulho muito... Ligue o rádio, por favor.
"Começou de súbito..."
_Desligue! Odeio essa música! Ah, obrigado. Deixe-me começar.
Aos dezesseis anos, eu tinha tudo o que queria. Era bonito, fazia sucesso com as meninas, não perdia uma balada, dava pra passar de ano e até namorada eu tinha. Era uma daquelas meninas “patinho feio”, com aparelho e fundos de garrafa. Hollywood adora fazer essas meninas se tornarem lindas mulheres, mas eu não botava muita fé na Valéria... Mas fiel ela era. E inteligente, também. Ao contrário das outras, Valéria era pra casar.
Espere. Estou me adiantando. Como eu dizia, meu ideal de felicidade há vinte anos eram festas constantes e sexo com garotas bonitas. E nisso eu era bom. Valerinha não ficava sabendo, não saía de casa e não tinha amigos baladeiros que pudessem me denunciar.
Foi quando tive aquela idéia.
Eu já disse que era bom. Modéstia à parte, já tinha feito muitas garotas felizes. Do nada, porém, cansei-me dessas “experientes” e tive vontade de desvirginar uma garota. Nada de especial. Queria saber como era.
A princípio, tive dificuldades de encontrar uma garota virgem que quisesse... contribuir com minha meta. Ou melhor, até achei uma menina doida de vontade de me “conhecer melhor”. Só que ela tinha 12 anos. Podem me chamar de canalha, eu agüento calado e até faço charme. Mas pedófilo, isso nunca.
Só então percebi minha burrice. Para quê procurar? E a Valéria? Lembrava-me de ela ter dito que era virgem quando começamos a namorar. Metade do meu problema estava resolvida.
A outra metade era convencer Valerinha. Céus, que menina insegura! Bastava pronunciar a palavra “sexo” e ela se retraía toda. Tive que ir bem aos pouquinhos. Sabe como é, jogar baboseiras do tipo: “Vamos dar um passo à frente na nossa relação?” ou: “Estou tentando provar que te amo. E você, me ama?”.
Ela resistiu. Muito. Mais do que insegura, parecia positivamente com medo. Eu é que não estava nem aí, achava frescura. Com palavras doces e argumentos capciosos, eu iria até o fim para conseguir o que queria. Embora nem soubesse mais *por que* queria.
Prosseguimos nesse joguinho por alguns meses. Até o dia em que ela, muito séria, perguntou:
_Amor... Você me ama de verdade?
_Que pergunta! Claro que te amo!
Se tem uma coisa que aprendi cedo é que, se você quer alguma coisa de uma mulher, deve falar exaustivamente que a ama.
_Mas de verdade *mesmo*?
_De verdade mesmo.
_Você deve estar me achando uma boba... Mas eu preciso saber. Seja sincero. Você me ama muito mesmo, a ponto de querer estar comigo daqui a muitos anos? A ponto de aproveitarmos juntos as alegrias e apoiarmos um ao outro nas tristezas? *Você me ama a ponto de ser capaz de me perdoar*?
Fiquei sem jeito.
_Isso está parecendo um casamento, Valerinha _tentei brincar.
_Sim ou não? _ela perguntou, sem se deixar levar por meu bom humor.
Percebi que era a minha chance. Todo esse papo de amor era um sinal de que ela estava prestes a ceder. Olhei bem para o fundo dos olhos dela e disse um sim tão firme que *eu* quase acreditei nele.
Os olhos da Valéria marejaram e ela me abraçou. Não me enganei. Naquela mesma noite ela se entregaria a mim.
Acho que é melhor cobrir as horas seguintes com decente véu. Mesmo por que, não houve nada digno de nota. Não sei quem foi que disse que a primeira vez é a especial, mas essa pessoa devia ser virgem contra a vontade. A primeira vez é uma porcaria, a garota não sabe nada. A maior preocupação da Valéria, por exemplo, foi a camisinha. Quase desistiu por conta do meu esquecimento desse *detalhe*. Pra você ver como ela não entendia nada ainda...
Na manhã seguinte, acordei satisfeito comigo mesmo. Senti que alguém me observava e descobri a Valerinha olhando fixamente pra mim.
_O que foi, meu bem?
Foi a conta. Ela começou a chorar desesperadamente, tremendo toda.
_Valéria?! Pelo amor de Deus, o que foi?
Entre soluços e lágrimas, pude ouvir as palavras que saíam aos arrancos:
_Será... que você me perdoa?... Você disse... Disse que me ama, não é?... Se seu amor for verdadeiro... Ele vai te proteger, não vai...?
_Calma, amor! Do que você está falando? Me proteger do quê?
Levou muito tempo para ela se acalmar. Foi quando me disse, cobrindo o rosto com as mãos:
_É que... quando estava grávida... minha mãe... ela... me transmitiu AIDS. Mas uma vez só não vai fazer mal, vai? Será que você me ama o suficiente para me perdoar?
_Preciso dizer mais alguma coisa, enfermeira? Não faz mal que você saiba, essa tuberculose oportunista logo vai me matar. Ajeite meu travesseiro, sim? Obrigado.