883-O ECLIPSE GORADO-Pitoresco/rural
O ECLIPSE GORADO
Conto da série VOCÊ NAS MILISTÓRIAS
— Meninos, prestem atenção! Amanhã não tem aula!
Uma voz forte veio do fundo da classe; era o Tonhão da tia Nita, o maior da turma:
— Que bão! A gente pode ir nadar no...
— Silêncio! — Dona Zélia falou mais alto. — Amanhã não tem aula por causa do eclipse.
Era a primeira vez que eu ouvia esta palavra. Surpreso, perguntei:
— Que é isto?
— Já vou explicar, continuou a professora. — Trata-se de um fenômeno que ocorre quando a Lua passa na frente do Sol e faz sombra sobre a Terra.
E em poucas palavras, ela foi explicando.
Era o dia 19 de maio de 1947, véspera do dia de meu aniversário, quando completei oito anos. Como poderia esquecer tal data? Ainda mais que o acontecimento do dia, o tal de eclipse do sol, parecia que ia ser muito importante.
Estava na escola rural construída numa gleba separada na abrangência da fazenda de meu avô. Eu, com sete anos de idade, cursava o segundo ano primário.
Nós - meu pai, minha mãe e os oito filhos (eu era o penúltimo na escala de idade) morávamos na casa que ficava ao lado do córrego Azulinho, dentro da fazenda, numa gleba separada destinada ao meu pai, de cuja exploração tirava o sustendo da família.
Cheguei em casa e fui falando todo ganjento, para minha mãe que no dia seguinte não haveria aula, por causa do “ecripse” e meu pai foi logo entrando na conversa:
— É Eclipse, Clarindo, Eclipse, diga direito. E já preparei um vidro prá ver o tal de eclipse.
— Vidro?
Prá mim, tudo era novidade naquele assunto.
Papai foi rapidamente apanhar um vidro enfumaçado, totalmente negro.
— Aqui está. Tirei emprestado do quadro de São Sebastião, dependurado na parede da sala
— Mas porque está escuro assim? — perguntei.
— Escureci na fumaça da chama da lamparina de querosene. Foi o Bené da farmácia que me ensinou. É prá gente olhar o eclipse sem queimar a vista.
Mais não explicou e eu também não me interessei muito, pois já estava anoitecendo e as crianças tinham que ir cedo prá cama.
No dia seguinte...
Amanheceu nublado e frio. Uma condição normal para o mês de maio, entremeado de dias de sol fraco com outros de chuva. Uma manhã como muitas outras que se sucediam.
Meu pai chegou do curral trazendo um jarro branco esmaltado (conhecido como “ferragate”) com o leite tirado da única vaca que possuía e que era mantida no mesmo pasto que abrigava o rebanho leiteiro de meu avô.
Após entregar o jarro à minha mãe, foi buscar o tal vidro enfumaçado, e fomos para o quintal para ver o eclipse, que ninguém sabia mesmo do que se tratava.
O tempo continuava nublado e o sol não aparecia. Mas lá pelas nove horas o firmamento tomou um aspecto crepuscular: parecia que ia amanhecer de novo.
Então, algo estranho começou a acontecer: as galinhas e o galo, cacarejando como que desnorteadas, foram para o galinheiro e se empoleiraram no jirau de madeiras roliças, que era o “poleiro”, onde dormiam. Dois cachorros que viviam esbarrando na gente olhavam para o alto e emitiam sons que eram uma mistura de latidos e uivos. As vacas, ordenadas e livres no alto do pasto, corriam para perto do curral, onde costumavam passar a noite.
Nós não tirávamos os olhos do céu, na esperança de que as nuvens se dissipassem para vermos o fenômeno.
Escureceu como se fosse noite sem luar. Quinze minutos, meia hora, uma hora se passaram.
Depois de pouco mais de uma hora de escuridão — e meu pai resmungando por não ter aproveitado o trabalho de enfumaçar o vidro — a natureza começou a mostrar algo parecido com o romper da autora. Era como se o dia estivesse amanhecendo de novo ás onze da manhã!
— É, minha gente, o eclipse acabou e nada vimos!
Era verdade: O eclipse havia terminado e não tínhamos visto nada de diferente para contar.
Mas, não! Nem tudo havia acabado. O mais divertido estava chegando: o galo bateu as asas e cantou no poleiro, anunciando um novo raiar do dia. Ele e as galinhas começaram a descer do poleiro, para se dirigirem ao local onde de costume era jogado o milho todas as manhãs. Piavam e cantarolavam sem parar e dalí não arredavam o pé, na espera da ração matutina.
Minha mãe dava gargalhadas e nós, a filharada, a acompanhamos na alegria.
— Num vimos o tal de eclipse — ela disse — mas estamos vendo como os animais ficaram desnorteados com esta história. Eu também acho que estou meio confusa com isto tudo.
E dirigiu-se para o paiol, em busca de espigas de milho para dar ao galo e às galinhas.
ANTONIO ROQUE GOBBO / CLARINDO A.P.NETO
Belo Horizonte, 21 de janeiro de 2015.
Conto 883 da SÉRIE 1.OOO HISTÓRIAS
Inspirado em texto de Clarindo A. P. Neto, de São Sebastião do Paraíso
Conto da série VOCÊ NAS MILISTÓRIAS
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