"Tecnofrieza"

"Tecnofrieza"

Seis da manhã. O despertador do aparelho celular de Dionízio toca, como ele havia programado na noite anterior. Ele acorda, alonga os braços e vai até ao banheiro. Toma banho, faz a higiene pessoal do início do dia e vai tomar o café matinal. Percebe que não está com tanta fome, e devora um pão francês com manteiga enquanto bebe um gole de café requentado, feito anteontem. Enquanto faz o desjejum de forma automática, liga novamente o aparelho celular e checa e-mails, lê as notícias e verifica as diversas mensagens dos vários amigos que possui nas diversas redes sociais.

Hora de ir para o trabalho. Dionízio observa através de um aplicativo do aparelho celular as condições de tráfego na rua, a melhor rota a ser tomada, para evitar congestionamentos e chegar com pontualidade ao banco onde defende sua sobrevivência. Nas ruas de movimento menos intenso, confere os resultados dos jogos de futebol, mantendo uma das mãos ao volante, e a outra no aparelho celular. Distraído, freia bruscamente na faixa de pedestres, onde um transeunte, também distraído, manuseia o seu aparelho celular. “Ah, estes pedestres! Como atravessam a rua sem olhar para os lados?”

Durante a manhã, desconecta do aparelho celular, mas não da internet. Pelo computador do banco, verifica a cotação do dólar, do ouro, as ações na bolsa e os juros da poupança. Só para descontrair um pouco, vê quanto custa o novo aparelho celular da Sanguessuga, top de linha, que deverá se manter imbatível nas lojas por três semanas, no máximo. Manda uma mensagem para a noiva, que trabalha no mesmo banco, vinte metros distante da sua mesa. Um convite para o almoço, naquela lanchonete que serve o melhor X-Burger do quarteirão. Ela aceita.

Na mesa, enquanto esperam os sanduíches e os refrigerantes, eles conversam. Não um com o outro, mas cada qual com seus respectivos amigos, em seus respectivos aparelhos celulares. Comem os lanches e tomam o refrigerante rapidamente, pois era hora de voltar ao trabalho.

Na outra metade do expediente, vê, através de uma mensagem da rede social, que naquele dia era aniversário da sua mãe. “Puxa, não dava para ir até o outro lado da cidade!” Teve uma ideia brilhante: enviou uma mensagem de “Feliz Aniversário” para ela, acompanhada dois “emoticons” diferentes: um buquê de rosas e vários coraçõezinhos. Ela retribuiu com outros coraçõezinhos e um “obrigado”. O mercado financeiro se mantém volátil, cheio de altos e baixos, como uma montanha-russa desafiando os especuladores. Dia de trabalho difícil, mas que enfim, chega ao seu final. A noiva, com pressa, enviou um “estou indo para a facu”, pelo celular mesmo, sem tempo para qualquer despedida mais calorosa.

Dionízio retorna ao apartamento, enfrenta congestionamento inevitável, segundo o infalível aplicativo do aparelho celular. Toma banho, abre a geladeira e percebe que não há nada para jantar. Através de um site, pede uma pizza e um refrigerante pelo celular. Um bom tempo depois, a pizza chega, porém fria. Não teve ânimo para reclamar com o entregador, pois sua indignação perdia feio para a fome. Checou as notícias, abriu as redes sociais, quando finalmente, bateu o sono. Colocou o despertador do aparelho celular para tocar às seis da manhã do dia seguinte. Dionízio não fez uma oração de agradecimento, não deu um beijo na noiva, não visitou sua mãe no dia do aniversário dela. Um dia marcado pela frieza tecnológica. Frieza proporcional à da pizza escolhida através de um aplicativo do aparelho celular...