A MENINA QUE GANHAVA LIVROS

A MENINA QUE GANHAVA LIVROS
 
Por Adriana Rocha
 
 
Coisa linda de ver e para muitos, “estranho”, era Laurinha. Enquanto as demais crianças da comunidade almejavam brinquedos - ainda que fossem usados - no Natal, Laurinha queria livros, no aniversário idem, assim como no dia das crianças.
Não que ela não brincasse de bonecas e de correr com a criançada, brincava sim e muito! Mas se quisesse ver parar o mundo pra ela, era só deixar cair um livro em sua mão.
Sua mãe era uma lavadeira, ganhava a vida assim e era muito boa nisso; já não era de se estranhar mais, as mulheres bonitonas dos bairros chiques chegarem em seus carrões para trazer roupas para Dona Nazaré lavar, ─ melhor que lavanderia – elas diziam.
Ela foi a primeira a observar a “estranheza” da filha e achou por bem alimentar. Comprava livros quando podia, quando não, pedia para as madames; onde ela ouvisse falar ou o menor vestígio de doação e troca de livros lá estava dona Nazaré, alimentando o “vício” da filha.
Se contar ninguém acredita que exista criança assim e se acrescentar que isso aconteceu na periferia então! Fica mais difícil ainda...
A verdade é que dona Nazaré já estava contaminada e adorava ver a filha de apenas 9 anos, lendo poesias e contos de Clarice Lispector, entre outros, como gente grande; Laurinha lia como ela sempre imaginou fazer um dia, mas não foi possível, teve que trabalhar cedo e logo casou-se teve filhos e por uma fatalidade ficou viúva e foi morar na favela, o dinheiro que o finado lhe deixou,  não dava para comprar mais que um barraco.
Vira e mexe seus olhos marejavam diante da mesma cena e Laurinha sabia que isso incendiava o coração da sua mãe e lia em alta voz, - Isso lhe rendia mais livros - e ela, simplesmente adorava ganhar livros...
Quantas vezes dona Nazaré levou consigo, orgulhosa, a filha que lia tão bem, a movimentos literários!
E assim cresceu Laurinha, sem roupa da moda, mas cheia de livros, perdendo-se entre eles nas bibliotecas públicas, livrarias e pedindo livros; meu Deus como pedia livro aquela moça, os amigos mesmo não conseguiam dizer não.
Com a fama corrida, até os donos das livrarias da região mandavam livros a ela, principalmente os que ficavam encalhados nas prateleiras, depois ela ia pessoalmente agradecer e comentar sobre os livros que recebera, lia todos e acabava ganhando outros.
Algumas escritoras então! Apaixonaram-se por Laurinha, a ela enviavam suas obras autografadas muitas vezes antes até mesmo da noite de autógrafos e do lançamento.
Hoje Laurinha faz faculdade de letras e tem uma loja de livros novos e usados, já publicou três livros falando sobre a realidade e sobre as dificuldades da comunidade carente.
Dona Nazaré? Ah Dona Nazaré hoje – interpreta poesia até melhor que a filha ─  e lidera com maestria um grupo de pessoas que por meio delas apaixonaram-se por livros e poesias, juntos iniciaram o primeiro ponto cultural da favela, com direito a sarau e tudo!!
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Adriana Rocha, mulher, mãe, escritora, colunista, cronista, contista e metida à contadora de histórias, sobe no palco da vida para atuar conforme sua própria peça, tecendo sua própria teia, no ritmo das letras que saem do seu coração. Autora de vários títulos como: “Eu te acompanho até a cruz”, “V de vagina – sexo e romance”, “20 dias para encontrar um namorado rico”, “Feminina”, “30 dias para esquecer um grande amor” “Quase tudo bem”, “O príncipe e a Bruxa”, “A bruxa, o vampiro, o pirata e a música”, “Contos e crônicas da vida alheia” e uma coletânea de livros infantis que serão lançados em 2015.E-mail: adrianarochaescritora@gmail.com

EXTRAIDO DA COLETÂNEA- COMPANHEIRISMO EM VERSO E PROSA -ANTOLOGIA LIONS CLUBE MOGI-ITAPETY