O pequeno Muqui

Muqui era um lindo cachorrinho sem raça definida. Seu pai era um cão vira-latas que numa das fugas da sua mãe, Grace Kelly, uma cocker spaniel, acabou sendo gerado. Ao nascer, Muqui e seus irmãos foram jogados na rua. Afinal de contas não seria interessante aos donos da sua mãe exibir para seus amigos a mácula de sua família: Grace Kelly havia tido uma ninhada de cinco cães que não seriam dignos de pertencer àquela família, pois eram filhotes de um reles vira-lata. Por isso foram abandonados dentro de uma caixa de papelão numa fria noite de inverno.

Eles não sabiam onde estavam, pois a caixa tinha as paredes muito altas. Só tinham a certeza de que não estavam mais na casa onde nasceram e que nunca mais voltariam a ver sua mamãe. Passaram a noite chorando de saudades de sua mãe e de frio. Para se aquecerem decidiram ficar aquela noite uns colados aos outros. A noite passou lentamente e sofrida, mas enfim o dia amanheceu. E com ele surgiu o sol, que viria aquecer os seus corpinhos. Acordaram com o som das pessoas e dos carros para lá e para cá. Estavam com muita fome e como dessa vez sua mãe não estava ali para alimentá-los começaram a grunhir. Alguém teria que aparecer para dar-lhes comida.

Por terem deixado a caixa numa rua com um pouco de movimento não demorou muito para pessoas se aproximarem com curiosidade de saber como eram os cães que estavam grunhindo. E, por serem filhotes muito engraçadinhos, as pessoas começaram a levá-los para suas casas. Conforme eles iam sendo levados os que ficavam começavam a chorar mais por sentirem falta dos que estavam indo embora. De repente, Muqui viu seu último companheiro ser levado por uma senhora, ficando sozinho na caixa. Foi quando começou a chorar cada vez mais alto. Nesse momento, um homem que trabalhava perto de onde a caixa foi largada, por se sentir incomodado com o barulho que Muqui fazia, retirou-o da caixa e o enxotou de perto da sua loja. Vendo-se só e com medo daquele homem, ele começou a andar pela rua. Para sua sorte, aquele bairro não tinha muito movimento de carros e ele pode andar pelas ruas em segurança e, assim, os dias foram passando. Sendo enxotado por uns, ganhando migalhas de outros e vez por outra alguns afagos carinhosos de estranhos, que o faziam muito feliz.

Num belo domingo de sol, estando prestes a completar um mês que estava na rua e dois de vida, ele estava passando por uma praça quando uma menina ao vê-lo exclama: Mãe, olha que cachorrinho bonitinho! E corre para brincar com ele. A mãe dela ao ver a filha mexendo em um cachorro de rua corre para tira-la de perto do vira-lata. E chegando mais perto viu que o cãozinho era mesmo uma gracinha, o pelo pretinho com pequenas manchinhas brancas, orelhas caindo ao longo do focinho e pelugem bem fina, apesar da sujeira que já estava acumulada.

A mãe da menina mesmo achando que o cão era mesmo uma gracinha fica preocupada e manda a filha larga-lo, pois já estava na hora de irem embora. Michele relutou um pouquinho, mas de nada adianta, tem que deixar o cão ali na praça. Ao se afastar ela vira para trás e fala: Até amanhã, cachorrinho! Até amanhã?! Que historia é essa de até amanhã, pergunta sua mãe. Ah, mamãe, é que a gente se gostou tanto que amanhã a gente vai se ver com certeza. A mãe pergunta como é que ela tem essa certeza, e ela responde que não sabe, apenas tem, porque o achou tão bonitinho e que também sabia que ele ia morar com elas. Sua mãe começa a rir pensando de onde a filha tirou aquela idéia e seguem para casa.

Chegando em casa a menina corre ao encontro do pai para contar a novidade. Papai, achei um cachorrinho lindo, fala pulando no colo dele que estava assistindo à televisão. Posso ficar com ele? Ele é tão bonitinho... O pai, tentando se recuperar do susto, pergunta à esposa que história era essa de cachorro. Michele antecipando-se à mãe começa a contar que é um cãozinho que estava passeando pela pracinha e que também gostou dela e estava todo sujinho e com fome. Ele, que já se preparava para discutir com a esposa que havia deixado a filha mexer com um cão de rua, nem consegue começar a falar porque a menina volta a falar do cachorro. Papai, ele é tão bonitinho, é preto e com manchinhas brancas. Tem um olho preto e o outro branco e parece que está com duas patinhas com meias e as outras sem meia. Posso trazê-lo pra casa? Eu queria tanto ficar com ele...

Ele consegue, finalmente, levantar fala que não quer um cachorro naquela casa. A filha ainda tenta mais uma vez contar ao pai que o cão era muito fofinho, mas antes de terminar ele a interrompe bruscamente e mais uma vez diz que não quer um cachorro. Ela então decide pedir ajuda a sua mãe, que com pena de ver como a filha havia ficado triste tenta interceder junto ao esposo. Mas ele mais uma vez interrompe dizendo que nem adiantava insistir que a resposta era a mesma: não. Dito isso ele sai da sala, Michele fica muito triste e vai para o seu quarto onde chora pelo resto da manhã.

Depois de passar parte manhã no quarto a menina atende o chamado da mãe para ir almoçar. Quando chega à mesa, seus pais percebem que ela chorou por muito tempo e isso os deixa preocupados, mas sabem que logo ele esqueceria o cachorro. Ela não come quase nada alegando que estava sem fome, seus pais, por saberem que ela estava muito triste, a princípio acham normal e não dão muita importância.

No dia seguinte ela volta a pracinha, desta vez na presença do seu pai. Ela começa a brincar com as outras crianças parecendo já ter esquecido do tal cachorro, quando de repente ela sai correndo em direção a uma das extremidades da praça, seu pai que aproveitava as manhãs de domingo para jogar uma bolinha com os amigos, nem percebe que ela se afastou de onde estava e, quando olha para ver como ela estava, fica preocupado. Seus companheiros de jogo percebem e logo o tranqüilizam mostrando onde ela estava. Ao olhar ele pede que um colega que estava assistindo ao jogo a busque para que fique mais perto do campo e volta ao jogo.

Enquanto o pai jogava bola, Michele se divertia com Muqui, que se esbaldava com os biscoitinhos que ela guardara do seu lanche da tarde anterior para dar ao “seu cachorrinho”. Era gostoso de ver como eles estavam se divertindo, parecia realmente que ela era sua dona. De repente ela escuta a voz do pai que parecia estar bastante chateado, pois ela disse que não queria mais saber do cachorro e ela estava brincando com ele. Ela mais uma vez tenta convencer que ele era manso, bonitinho e que também gostara dela, mas ele nem deu muita atenção e a levou para casa. Muqui ainda tentou segui-los, mas foi enxotado pelo pai da menina. Mesmo assim, ele os segue de longe até que eles entram em casa.

Ao chegar em casa, ele em altos brados chama a esposa e relata o que aconteceu e diz que a filha estava de castigo, que irá ficar dentro de casa pelo resto do dia sem brinquedos, sem desenhar e sem televisão. E avisa à filha que se ela chegasse perto do cão outra vez ele iria chamar a carrocinha para buscar o vira-lata.

Enquanto isso Muqui, que já descobrira onde sua amiguinha morava, decide conhecer as redondezas para saber onde ficaria desse momento em diante. Depois de rodar pelo quarteirão encontra um terreno onde uma casa estava sendo construída e decide que passaria ali as noites, pois ali teria proteção contra os ventos e as chuvas, e durante os dias continuaria circulando pelas ruas próximas. E assim aconteceu, durante os dias andava pelas ruas ganhando afagos de crianças e algumas pessoas e restos de lanches que jogavam para ele, porém sentia falta das brincadeiras com sua amiguinha Michele.

Os dias passam e Michele cada vez mais triste e não comendo direito, por não poder ficar com o cachorro e nem ao menos poder brincar com ele quando sai à rua. Seus pais começam a ficar preocupados com a situação, sua mãe ainda tenta falar com seu esposo, mas ele continua irredutível na sua posição de não permitir que elas tragam o cão para casa.

Num certo dia Muqui, nos seus passeios diários, resolve passar na rua onde Michele morava. Enquanto se aproximava da sua casa percebe que ela estava saindo e corre para perto dela, mas na sua euforia passa muito perto de um cachorro adulto que fuçava o lixo, que estava na rua para ser recolhido pela empresa coletora, atrás de comida, e que ao perceber que ele se aproximava começa a rosnar. Ele nem percebe o cão e quando passa ao lado dele é atacado e nem esboça uma reação, sua sorte é que quem estava saindo com Michele era a mãe dela que ao ver o que aconteceu e, ouvindo os gritos da sua filha para que alguém o ajudasse, corre para dentro de casa e sai com um balde d’ água para jogar no outro cachorro que com o banho recebido sai correndo em disparada. Muqui fica parado no chão, pois recebeu diversas mordidas e estava sangrando muito. Michele ao ver a cena começa a chorar e pegando-o no colo pede que a sua mãe o ajude, levando-o a um médico. Nesse instante, ao escutar os gritos da esposa e filha, o pai da menina vai ver o que está acontecendo e ao saber o que ocorreu decide levar o cão num médico, pois sua filha estava desconsolada.

Chegando à clinica veterinária Muqui é atendido e a médica consegue suturar os ferimentos, mas avisa que ele teria que ficar uns dias de repouso, pois algumas mordidas causaram furos bem profundos. O pai de Michele ao ver a situação do cão diz à médica que ela fizesse tudo que fosse possível e que pagaria tudo o que fosse necessário para que o cão ficasse bom o mais rápido possível. Ao saber disso Michele fica super feliz e diz ao pai que ele era o melhor pai do mundo e que se conseguisse salvar o cachorrinho ela ficaria muito feliz.

Durante todos os dias que Muqui ficou na clínica em recuperação, Michele, com a permissão do pai, ao voltar da escola passa todos os dias para vê-lo e saber como estava. Ela sempre ia acompanhada pela mãe e às vezes acompanhada pelo seu pai, que começa a gostar do cão, mas sem demonstrar isso para a filha. No décimo terceiro dia da internação, a médica que estava acompanhando o caso do cãozinho avisa à mãe da Michele que ele já estava bom e no dia seguinte poderia voltar para casa. Ela fica feliz com a notícia, mas fala que eles não são os donos do cão, apenas socorreram porque sua filha o viu ser atacado e ficaram com pena do pobre bichinho, mas que iria ver com seu esposo a possibilidade de ficarem com o animal, já que sua filha estava tão apegada a ele.

Ao chegar em casa, ela relata ao esposo o que ouviu da médica e diz que também gostaria de ficar com o cachorro e que isso iria deixar a filha muito feliz. Ao ouvir isso ele solta um risinho e diz que também foi conquistado pelo cão, mas queria fazer uma surpresa a filha, trazendo o cão para casa sem a menina saber. Sua esposa gostou da idéia e acertaram que após a visita diária à clínica ela iria levar a filha ao shopping para ele ter tempo de trazê-lo para casa sem ela saber.

No dia seguinte, como de costume, Michele ao sair da escola vai com a mãe visitar Muqui na clínica e fica sabendo que ele já estava bom para ir para casa. Sua mãe, enquanto a menina brincava com o cão, acerta com a médica que seu esposo iria passar mais tarde para pagar tudo e levar o cão para casa, mas que queriam fazer uma surpresa para a filha. Depois de alguns minutos a mãe diz para a filha que já estava na hora delas irem embora. Ao perguntar sobre o que aconteceria com o cachorro é informada pela médica que a clínica iria ficar com ele até que aparecesse alguém que quisesse adotá-lo. Ao saber disso a menina olha para a mãe e pergunta se elas não poderiam levá-lo, a mãe responde que não porque seu pai já havia dito que não queria cachorro em casa e que era melhor ela não ficar insistindo no assunto, senão seu pai poderia ficar chateado. A menina, apesar de triste, concorda com a mãe, afinal de contas o pai já havia cuidado do cão, o que já era muito, e vão embora.

Ao ver que a filha estava triste, a mãe propõe de irem fazer um passeio no shopping com direito a lanche e cinema, no que a menina concorda. Sua mãe então decide ligar para seu esposo e avisar que elas iriam passar a tarde no shopping. Chegando, elas lancham, mas fica claro para sua mãe que a menina não estava feliz por causa do cachorro. Então após o lanche ela propõe voltarem para casa.

Chegando em casa, Michele percebe que o carro do pai estava na garagem, mas como ele às vezes saía mais cedo do trabalho nem ligou para isso. Entra em casa, dá um beijo no pai, que estava na sala. Após ser beijado pela filha, manda-a ir para o quarto tomar banho e se preparar para eles irem ao parque se distrair um pouco. A menina vai para o seu quarto e ao chegar solta um grito de alegria e volta à sala com o cão nos seus braços. Joga-se no colo do pai beijando-o com muito carinho, dizendo que o amava e que ele era o melhor pai do mundo. Ele, percebendo que a filha estava realmente feliz, fica ainda mais alegre, entretanto lembra que eles ainda tinham que sair. A menina pergunta se poderia ficar em casa, ele fala que tudo bem, mas que depois ela não poderia se queixar da cor da caminha e do comedouro que ele iria escolher para o cachorro, afinal de contas foi ela que não quis ir junto comprá-los. Michele ao ouvir isso pede para a mãe ficar com o cão enquanto ela estivesse com o pai comprando coisas para o cachorrinho. Rapidamente ela se arruma e quando estão saindo sua mãe pergunta que nome dariam pro cão? Michele logo responde que o nome dele seria Muqui, o meu pequeno Muqui!