Radio Local
Num bairro como todos os outros, havia um ponto de ônibus, como todos os outros, a cidade era de interior e como todas as outras de interior, o povo era o mesmo! O diferencial desse bairro era uma personagem ilustre! Conhecida como a Rádio Local! Era uma senhora aposentada, cujo nome muitos esqueciam, pois só lembravam do apelido que muito lhe caía bem por sinal. Essa dona chamava-se Luzia. E a bendita tinha a língua que reluzia, de longe já se ouvia quando se aproximava a dita cuja. Sabia tudo da vida de todo mundo e fazia questão de comprovar tal fato.
Não se sabe ao certo o porquê, mas dona Luzia, pegava o ônibus que ia ao centro da cidade todos os dias, talvez por se encontrar sozinha na avançada idade, talvez por gostar de passear no centro da cidade, ou quem sabe fosse ficar com os netinhos todo santo dia, ou quem sabe é porque via ali no ponto de ônibus um bom lugar pra destilar a saliva envenenada que escorria pela boca.
Todos evitavam falar o menos possível sobre si mesmo perto de digníssima dama, mas a verdade é que não se sabe como, a velhota sabia de tudo um pouco, como se morasse numa torre e com binóculos mágicos visse através das paredes. Desde o grão de poeira no sofá até o lençol amassado da cama.
Ela sempre pegava um pra Cristo!
Às vezes começava com uma frase inocente como: “Seu Jairo! Fiquei sabendo que sua esposa chegou de carona ontem com o chefe bonitão e o senhor não gostou muito. Ah! Mas está certo o senhor, sua mulher é muito bonita!”
Quando não conseguia fisgar vítima ali, esperava que um passasse pela rua para que ela logo apontasse o dedo e desenrolasse algum detalhe sórdido. “Esse voltou da Fundação Casa, cuidado, tranque bem as portas e janelas”. “Aquela ali bate no marido. Acredita?!” “Esse moço tem amante por aqui, sempre passa de carro, mas não mora no bairro!”.
Sempre tinha aqueles que davam corda quando não eram as vitimas da Inquisição, e tinha aqueles que só ouviam e às vezes riam por dentro, disfarçando.
O lado bom, é que não se perdia nada! E vale dizer que tem coisas que merecem atenção! Quando morria um ela já estava sabendo até o horário do enterro e onde seria o velório, se tinha algum internado, podia perguntar o numero do quarto do adoentado que ela sabia responder.
Seu pescoço cumprido estava sempre esticado e sua cabeça parecia a de uma coruja rodando a quase trezentos e sessenta graus. Sempre alerta!
E assim todos estavam sempre bem informados, seja de fatos importantes ou apenas causos pra se contar nos churrascos.
Às vezes era até engraçado ouvir um ou outro dizer: “Vamos perguntar a dona Luzia!” mais engraçado ainda, era saber que dela não se sabia nada!
Até que depois de algumas semanas sem aparecer no ponto de ônibus, o povo começou com um burburinho e todos se perguntavam onde estaria a Radio Local.
Sua casa estava fechada já há algum tempo e nada da Radio sintonizar pra fora!
Até que um dia, estacionou um caminhão de mudanças, saltou pra fora um homem já vivido e de expressão triste, e foi esvaziando a casa.
A vizinha mais próxima se aproximou e o povo foi se achegando a espera das novidades. Todos acompanhavam de longe a breve conversa que os dois tiveram depois a vizinha voltou aos seus demais, e com a expressão abalada respondeu a pergunta que não queria calar: Onde estava a dona Luzia?
__ Morreu! – comunicou.
... E ninguém ficou sabendo de mais nada!