Almir, O Filósofo

O despertador tocava desesperadamente, Almir aos poucos vai voltando a realidade, o processo como sempre é lento, é um sujeito que demora bastante para acordar, aperta o botão que cessa o barulho e o silêncio volta ao seu quarto, levanta-se bem devagar, embora já esteja novamente atrasado, seu andar até o banheiro é tortuoso, uma espécie de dança involuntária que faz lembrar o andar dos bêbados abandonados da cidade, dessa vez o atraso não seria tolerado, iria perder o emprego.

No ponto de ônibus já fazia cálculos do que fazer com o dinheiro que receberia com a demissão, comprar uma moto, gastar tudo em roupa, ou melhor, gastar tudo na casa da Tia Lu, prostíbulo de reputação duvidosa, queria compensar todos as frustrações que o emprego havia lhe dado, o pensamento foi interrompido quando o celular tocou e do outro lado da linha a garota de voz suave se apresentava como representante da empresa de cobrança do cartão de crédito, desligou para simular que a ligação havia caído, seus planos para gastar o dinheiro futuro tomaram um novo rumo: Pagar as contas atrasadas.

Almir era um homem com 35 anos, sem grandes qualidades, sua vida era simples e só não se revoltava totalmente pois em cada esquina percebia que existiam pessoas bem piores deitadas na calçada com cobertores feitos de jornais, comparado a estes excluídos não dava para reclamar tanto. Algumas vezes gostava de filosofar sobre as condições materiais e a felicidade, não acreditava que pobre conseguisse ser feliz, no máximo poderia ser alegre, exemplos para sustentar sua ideia não faltavam, ele mesmo era prova viva do que defendia, os dias de chuvas eram ótimos para isso, como ser feliz tomando chuva em um ponto de ônibus superlotado onde as pessoas lutavam para conseguir estar embaixo do pequeno local coberto para se protegerem dos pingos, ao mesmo tempo em que no trânsito ao lado um carro passa guiado por uma jovem de pouco mais de 20 anos, um carro luxuoso, último modelo, com seu mísero salário Almir levaria a vida toda para comprar um carro daquele, o irônico disso tudo é que seus pensamentos foram interrompidos quando a garota acelerou e passando por uma poça de água formada pelos buracos da avenida acabou jogando água na cara dos pobres cidadãos que esperavam o transporte, Almir sujou a roupa, se fosse só a roupa não teria problema, mas aquilo sujou sua dignidade.

Casos como esse não faltavam, como que no dia em que foi comprar um presente para o sobrinho e percebeu que havia uma diferenciação no tratamento dele para com os outros clientes, as vendedoras deixavam escapar subliminarmente que não queriam ele ali, não era bobo e percebia que sua presença era um incômodo, também pudera, um sujeito com aquela cara de maltratado não teria dinheiro para comprar nada, o vendedor não queria perder seu tempo, quando conseguiu um tratamento decente verificou que o máximo que dava para comprar era uma camisa infantil do Vasco da Gama que estava em promoção devido ao mal desempenho da equipe no campeonato Brasileiro de futebol, deixou para lá não seria educado presentear o filho de um flamenguista com a camisa do Vasco, no fim decidiu por um presente mais modesto, terminou com um porta retrato de R$ 1,99, sugestão rápida da faxineira de seu trabalho Maria, um doce de pessoa, humilde e sempre disposta a ajudar os amigos, porém para ele um pouco acomodada com a vida, era sua amiga e confidente, entre os cafés da tarde Almir às vezes encontrava nela um ombro amigo para alguns desabafos, Maria respondia: “Pensa na pessoa que tá doenti no hospital, pelo meno você é perfeitu”, ele ria e concordava para não contrariá-la.

Ao descer do ônibus o relógio marcava 8:15, ele estava um pouco atrasado e ainda faltava andar mais uns 10 minutos para chegar a empresa, apressou o passo, a ideia da demissão já era certa em sua cabeça, entrou na empresa, bateu o ponto, cumprimentou seu Raimundo, o vigia de um metro e sessenta oriundo da Bahia e que era docilmente conhecido na empresa como Paraíba, pegou seu material de trabalho, vassoura, pano de chão, lixinho e começou na sua tarefa, aguardava o chamado para comparecer ao RH e receber o aviso prévio, o dia passou ele fez o seu serviço rotineiro, limpar o chão, passar paninho em algumas mesas, recolher as lixeiras, tomar café, por fim o expediente acabara, não foi aquele dia em que estaria desempregado.

Ao voltar para casa lembrou-se mais uma vez das contas vencidas, agradeceu em silêncio a sorte em conseguir ir sentado no ônibus, não era sempre que conseguia tal façanha, novamente puxou um cochilo, mas desta vez não foi acordado pelo despertador, mas sim pelo motorista do ônibus que o avisava de que já estavam no ponto final.

O_Interditado
Enviado por O_Interditado em 15/09/2015
Reeditado em 16/09/2015
Código do texto: T5383009
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