Ônibus lotado: O cobrador ausente.

Nos avisaram que aos sábados os ônibus de turismo passavam em um intervalo de tempo menor, apenas 15 minutos. Joyce e eu andamos por todo o bosque, tiramos todas as fotos possíveis e depois nos deslocamos para o local onde o ônibus passaria. No entanto, o tempo se estendeu. Já fazia mais de 25 minutos que todo um contingente de pessoas ansiosas o esperavam e nem sinal do transporte. Resolvemos nos distrair com a vida que nos cercava. Ou seja, com a vida alheia.

Havia um ponto em que o nível do gramado verde se elevava, de modo a confeccionar um morro que se transformou em diversão para três alegres crianças. A brincadeira se resumia a pegar um grande lençol, no qual duas das crianças enrolavam a terceira, que depois saía girando rumo ao fim do morro. As crianças não conseguiam conter as risadas e nós, que esperávamos naquela tediosa fila, também não.

Algum tempo depois, o ônibus chegou. Infelizmente, com ele vieram más notícias.

Um dos ônibus havia quebrado e teríamos que nos apertar. Obviamente, ninguém comemorou. Entramos todos. Não estava lotado, mas também não estava lá muito confortável. Alguns de nós já estávamos em pé. No entanto, a situação se agravou quando fomos gradualmente parando nos demais pontos de embarque. Burburinhos e caras de indignação foram surgindo a medida que mais um ser adentrava naquele já lotado ônibus. Eu mesma não tinha ciência de que poderia ocupar tão pouco espaço, completamente esmagada pela catraca, sacolas e pessoas, muitas pessoas. Então, ali, em meio a toda aquela gente agoniada, havia o cobrador.

O senhor beirava os cinquenta anos, tinha uma forma corpulenta escondida por uma camisa comprida cinza e jeans folgados e usava óculos de grau avançado. Algo nele me chamou atenção. Ele parecia completamente alheio àquela aglomeração sufocante. Sentado em sua cadeira e com o olhar voltado fixamente para uma mesa que fazia parte do seu assento, ele colava tickets. Com movimentos lentos, pegava a cola líquida à sua direita, fazia três pequenos pingos no verso do ticket, esfregava com indicador de um lado para o outro até que cada pequeno espaço estivesse banhado de cola e depois colava no outro papel com precisão milimétrica, onde outros sei lá quantos tickets já estavam presentes. E ele fez isso por muito, muito tempo. Levantava esporadicamente a cabeça apenas para avisar algum ponto de desembarque ou para lançar um olhar de indiferença para qualquer passageiro que reclamasse da zona em que havia se transformado aquele maldito ônibus.

Não sei ao certo o que mais me chamou atenção naquele cobrador. Poderia arriscar que foi sua capacidade de estar em dois lugares ao mesmo tempo. O corpo em um ônibus lotado, a cabeça... sabe-se lá onde. Ele poderia estar pensando o que faria no fim de semana, na sua família, nos seus problemas ou nos dos outros, ou ele poderia, simplesmente, estar concentrado na cola e nos pedaços de papel, tentando se tornar invisível para aquela multidão insatisfeita.

mmmalencar
Enviado por mmmalencar em 11/09/2015
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