"Menina eu estou apaixonado por você!"
Ele a tomou pelas mãos e a convidou para dançar. Ela, trêmula, pois há muito ansiava por aquele momento, cobriu o rosto e murmurou baixinho “Eu não vou conseguir!”. Pensou no ridículo que poderia passar tropeçando nos passos ou pisando no pé do seu parceiro. Há pouco o havia visto dançando com uma jovem dançarina, o que arrancara aplausos do grupo de dança. Havia se imaginado no lugar dela e fantasiou os momentos de volúpia que estariam marcados naqueles passos. Leve, solta, fluida, embalada pela música e pelos braços do cavalheiro.
Mesmo com medo, não conseguiu dizer não; consentiu na dança apenas para ser tomada em seus fortes braços e sentir a energia que emanava daquele corpo sensual, cheio de ritmo, de compasso e de harmonia. Escutou-o dizer ao seu ouvido “Leve sua mão esquerda até a minha nuca, faça resistência com o braço direito, me segure com firmeza e permita que eu a conduza”.
Desde quando não escutava algo tão cortês? Desde quando não confiava seus passos à firmeza de um cavalheiro? Lembrou-se de toda militância das mulheres de sua geração em busca da liberdade e da igualdade de direitos entre os sexos. Havia adquirido auto suficiência para não depender do jugo masculino e gabava-se de ser uma mulher livre e dona de seu próprio nariz. Não era exatamente uma feminista, mas fugia do papel de Amélia.
Pequenas coisas, porém, no íntimo, a incomodavam no comportamento masculino e a falta de cortesia era uma delas. Será que o gentleman tão admirado por sua mãe e sua avó, não existia mais? Onde estava o cavalheiro que dava flores, que fazia poesia e cantava para sua amada? Onde andava o cavalheiro que protegia a dama, que lutava por ela e a poupava das agruras da vida? Será que ele estava em extinção? Ou será que mulheres como ela não permitiam que ele se enunciasse? Lembrou-se da avó que dizia “O homem conduz a mulher, mas é ela quem o domina, mesmo que ele não saiba disso”.
Sentiu uma imensa vontade de ser cortejada e de acreditar que a proposta masculina de ser o condutor numa dança, não era uma atitude machista. Pensou nas palavras de seu professor de dança quando ele comparou o cavalheiro a uma moldura e a dama à pintura ou obra de arte. O cavalheiro apenas realça, protege, valoriza e enquadra o que já é belo. Entregou-se ao desejo de ser uma pintura e permitiu que aquele cavalheiro a emoldurasse. Ofertou-se aos braços dele e sentiu a proximidade de seu peito, abdômen, pernas, e o aroma do perfume masculino que emanava de seu pescoço.
Como num passe de mágica, abandonou-se como um barco ao comando de seu timoneiro. Deixou-se flutuar ao redor do salão e sentiu o quão emocionante era confiar na condução de um cavalheiro experiente, nem que esta condução fosse apenas numa dança. Envolvida pelo ritmo, percebeu que dançava um xote tipicamente nordestino cuja letra passeava pela singeleza de versos simples. Depois de um rodopio, escutou: “Menina eu estou, apaixonado por você! Menina, eu estou, já estou, apaixonado por você!”. Fez de conta que a música era cantada para ela, sorriu e flagrou-se feliz. Muito feliz.
Rio/fev/2006
(Dedico esta prosa poética ao Professor Marcelo Simões, que teve a paciência de me ensinar os primeiros passos de dança)