Profissional da loucura
Ele desejava estar dentro daqueles muros como quem deseja tomar um gole d’água no deserto.
Por anos desenvolveu bons projetos que fizeram crescer a empresa que ele prestava muitos serviços. Ele era um bom funcionário escravo. Uma pequena promoção e um pouco mais de “grana” era o suficiente para adquirir um bom carro, algumas amantes quentes, o vício por bebidas e drogas e algumas mudas de roupas. A empresa exigia funcionários “bem escovados”.
Convivia com constantes pressões do trabalho e também da sua mãe, que constantemente fazia chantagens emocionais. O pai já não mais o homem da mãe e a rotina havia transformado o filho em alvo de fuga da vida medíocre. Ele dizia conhecer bons profissionais da saúde... Terapia e alguns comprimidos melhorariam a vida da mãe.
Aos 26 anos já se sentia um bom entendedor da vida; fazia planos para sua carreira e comia as mulheres quando lhe sobrava tempo. Os amigos de infância sempre questionam a ausência do velho parceiro. O moleque trocou o velho tênis azul all star por um par de sapatos barulhentos e um carro esporte. Ele nem ligava para os comentários, pouca freqüência nas reuniões dos amigos e lista completa de amiguinhas dos velhos amigos com quem teve algum tipo de envolvimento. Não era atento para nomes e nunca prestava atenção nos olhares. Era um bom profissional e um péssimo ser humano em convívio social.
Aos 31 anos casou-se com a sua secretária. Não tinha muito tempo para romances e ao menos conseguia lembrar o nome dela. Tiveram apenas um filho, criado pela avó paterna, bons professores e muitos profissionais da saúde mental. Criança fruto da ausência do pai, descaso da mãe vaidosa e frustrações da avó.
Depois de 20 anos de dedicação à empresa, ele recebeu sua carta de demissão, um acerto razoável e nenhum aperto de mão. As más línguas disseram que, a empresa havia contratado um novo rapaz ganancioso, com idéias brilhantes, trabalhador de sangue e alma, com salário de trainner e sobrenome Silva.
Ele sentiu-se humilhado e não conseguiu receber percentual por nenhuma das idéias brilhantes que havia guinado a empresa. Desempregado, cardiopata, toxicodependente, oriundo da loucura, pai do rebelde, marido da mulher do amante, amigo absoluto da solidão e dono de idéias patenteadas por outros... Ele era a evidência da decadência.
Começou a freqüentar uma praça do seu bairro. Passava os dias observando aqueles muros enormes e sonhando com o lado de dentro. Passava dias sem fazer a barba e não tinha vontade de ligar seu velho carro. Andava com olhos apagados, ouvia somente os sons das folhas das árvores que estavam do outro lado do muro.
A família procurou um profissional, relatou o desejo do velho, todas as suas manias e falta de energia para com a vida.
Hoje ele mora no tão desejado lado de dentro do muro. O filho que possui títulos de filósofo e músico, leva os seus filhos e um pacote de pirulitos nas constantes visitas que faz ao pai. As crianças gostam do avô. O avô ama os netos, o “velho novo filho” e principalmente os pirulitos semanais. A casa onde ele vive agora é repouso de muitos que encontraram fuga na loucura. Ele conhece ali amigos com passados semelhantes. Não existem espaços para carros do ano, mulheres lindas, tecnologia, carreira e luxo. Ele reaprende a viver em sociedade, senti falta dos velhos pares de all star, deseja a paz encontrada na loucura, busca a segurança nos muros e sabe que ali só entrará quem é parecido com ele.