Hipnose

Um aroma adocicado toma conta das ruas. Uma inebriante névoa que vêm do mar. Entorpecido pela exuberante paisagem litorânea, limitado pela tênue linha entre as areias da praia e o peso do oceano, Tonho mergulha seu olhar no horizonte. A dança das águas molham seus pés. Sente-se pequeno, um insignificante grão de areia, enquanto seu coração dispara e aguça seus sentidos. O imaginário. O pensamento flutua na imensidão e uma atmosfera colorida toma conta do espaço. O silêncio. As emoções. A complexa filosofia das questões essenciais. Um momento indescritível perante a simplicidade da ordem natural. Sentado em um banco na hora do intervalo, Tonho saboreia o calor do sol que penetra em sua pele. O ar, uma dádiva. Puro, revigorante. Inspira, segura sua energia. Sente a suavidade, o transpirar, o respirar pausadamente. Expira aliviado, satisfeito. Livre, contente por estar vivo. As preocupações mundanas se esvaem ao vento. Um sorriso meia boca. A boca ressecada recebe um gole d’água. Tonho observa a relva dos morros alongados, um degradê esverdeado sobre um manto rochoso. Frondosas torres erigidas pelo tempo, uma cicatriz profunda da turbulenta formação continental. Sentinelas imbatíveis que resistem a força das ondas. Enquanto guardava seu crachá da empresa no bolso com um sentimento de nostalgia e alegria, Tonho recita baixinho como um mantra: “EU AMO A MINHA TERRA. Sou como as rochas milenares, não me abalo diante das atribulações.”

Levanta, se espreguiça e desliga o despertador do relógio. Hora de voltar para o expediente de trabalho. Ainda bem que a empresa onde trabalha fica na região central. Uma rápida caminhada de 10 minutos. Antes de retornar a labuta, avista a ilha e os faroletes da barra do rio enquanto as aves sobrevoam a praia. A garça e o biguá se alimentam, as gaivotas se agrupam, os botos surfam as ondas e as baleias chegam na costa. Na laje de pedra, um lobo- marinho descansa em meio as algas. No sopé do morro, os pescadores arremessam as tarrafas e os marisqueiros retiram os mexilhões. No caminho estreito, os fiéis carregam velas acesas e as placas de “Graças Alcançadas” em devoção e agradecimento à Santinha. Crianças correm atrás da bola e o paraglider no alto deixa apenas o rastro de sua sombra. Os cachorros passam, uns abandonados e outros encoleirados junto aos donos. Pessoas nos carros, devagarinho, ao ritmo da sua percepção em pedaladas rápidas ou descendo a lomba de skate. Ao longe, remam os surfistas na arrebentação. Alguns atletas correndo ou caminhando. Idosos, jovens, crianças, homens e mulheres hipnotizados pelas belezas naturais compartilham momentos divinos diante de um cenário paradisíaco. Momentos especiais que dão significado e sentido a vida. Tudo como um filme em câmera lenta num roteiro em que as tramas conduzem os figurantes e protagonistas a um final feliz. Sorrisos. Uma realidade fantástica ou um estado alterado de consciência? Que viagem!

Uma bala de menta e o crachá no pescoço. Passa as mãos no rosto e ajeita a camisa pra dentro da calça. Tonho sente-se privilegiado por morar nessa cidade maravilhosa e linda por natureza. Os problemas existem, mas em certos lugares tornam-se meros coadjuvantes. A esperança nasce com a misteriosa lua cheia na ânsia de superar as adversidades, acendendo uma luz no final do túnel. Tonho reconhece e compreende o valor da cultura que se desenvolveu por aqui. Uma cultura rica, diversificada e singular. Torres das águas e das areias, Torres das pedras e dos morros. Torres dos torrenses, a inigualável Torres das torres. Antes de se virar e seguir seu rumo, um pedido: “Que meus netos possam usufruir as dádivas desse lugar mágico. Pai do Céu, que a ambição dos homens não destrua o futuro de nossas crianças. O “progresso implacável” que deturpa as paisagens naturais, agride as heranças históricas e polui o meio ambiente não pode se perpetuar”. Tonho sai caminhando, apaixonado, sossegado, em transe. A mente arejada e tranquila e uma parada estratégica. Um vazio na barriga e o doce da padaria. Na cabeça desse humilde trabalhador, apenas uma dúvida, uma reflexão. Não sabe explicar. Será que a admiração ferrenha e paixão ardente por sua cidade são fruto de uma hipnose no ventre de sua mãe? Uma hipnose familiar regada de orgulho e satisfação de “pertencer”, uma identidade fincada nas raízes da ancestralidade e da tradição, embebida na cultura e história de seus antepassados que forjaram a ferro e fogo o Amor por Torres. O guardião. O defensor. As Torres do Tonho ou o Tonho das Torres?

Leonardo Gedeon
Enviado por Leonardo Gedeon em 02/09/2015
Código do texto: T5367506
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