Quinze Anos
Ele resolveu fazer aquela viagem de trem. Uma viagem lenta lhe daria a chance de refletir sobre o que dizer ao filho depois daqueles quinze anos.
Pela janela ele observa a paisagem em movimento. Serras suntuosas, um rio sereno, gado ressonando e casas parecendo miniaturas. A lua cheia acompanhava o trem; ora se escondendo atrás dos morros, ora se aproximando. Era uma noite clara e agradável.
Não conseguiu dormir e foi beber qualquer coisa no vagão-restaurante.
Desembarcou na estação de manhãzinha. Observou aquela praça - parecendo mais um imenso adro. Lá estava a mesma estátua. Aproximou-se dela. Toda suja e pichada. "Turma da ventosa". "Rubão esteve aqui". A estátua não podia fazer nada.
Foi andando pelo centro. Logo estava experimentando aquela sensação de afunilamento novamente. Morro de um lado e do outro. A cidade que oprime, a cidade fechada. A cidade que o espremeu como uma laranja exaurindo seu sumo até expulsá-lo. Nutria ódio por ela.
Subiu as escadas do restaurante. Chegou meia hora antes do combinado. Mesmo assim teve medo de que o filho já estivesse lá. Olhou aliviado para o salão vazio. Havia poucos funcionários e uma mulher descia as cadeiras das mesas. Sentou na mais afastada possível; perto da janela. Pediu uma cerveja.
Foi ao banheiro, mijou. Enquanto lavava as mãos, olhou-se no espelho. Estava velho e acabado. Não viu nenhuma esperança. "È isso que a vida faz com a gente?" Voltou para a mesa.
Quando o ponteiro passou das dez, sentiu até mesmo um alívio pelo atraso do filho: "quem sabe ele não vem". Mas ao mesmo tempo sentiu tristeza: "será que a mágoa dele é maior do que eu imaginava?".
Estava de cabeça baixa, mergulhado nessas conjecturas, quando ouviu a voz.
- Pai?
Assustou-se, levantou a cabeça e viu aquele rapaz bonito, forte e mais alto que ele. Abraçou-o desajeitado.
Não conseguiu dizer palavra. Arredou a cadeira para o filho sentar. Estavam frente a frente, mas não conseguiu olhar nos olhos do rapaz. Ficou de cabeça baixa, seus lábios tremiam, logo desceram lágrimas. Pegou um lenço no bolso do velho paletó e enxugou o rosto. Soluçava. O rapaz ficou sem saber o que fazer. Depois de um tempo, disse:
- Tudo bem?
Levantou a palma da mão direita, indicando que ainda precisava de um tempo. O rapaz aguardou.
Finalmente ergueu a cabeça. Olhou o filho e ficou feliz de ver traços da própria juventude estampados nele. Lembrou-se também dele criança; dois, três, quatro anos. Os dois se divertindo no clube; nadando, jogando bola. Teve que se conter pra não chorar novamente.
Ofereceu a cerveja ao rapaz. Esse disse que não bebia, que preferia uma Coca. Ele fez o pedido.
Foram conversando e com isso o constrangimento foi diminuindo. Chegaram mesmo a dar boas risadas. Não havia muitas lembranças em comum. A conversa se concentrou mais na vida e nos planos do filho. A faculdade, a namorada - já estava pensando em se casar. Essa notícia não o agradou - pensou em dar uns conselhos pra ele. Mas preferiu não render o assunto. O rapaz também se soltou ao contar como ganhou vários torneios de natação. Assunto que não tinha muita liberdade para dividir com a mãe - que achava que o esporte o desviava dos estudos.
Quando se despediram, o abraço foi mais firme e alegre. Corações e mentes aliviados. Combinaram para breve outro encontro e prometeram intensificar a troca de correspondência eletrônica.
Caminhou mais leve de volta pra estação. Se chateou menos com a cidade. Poderia se dizer que estava até feliz. Mas de uma coisa ele sabia. Aqueles quinze anos jamais poderiam ser recuperados.