Perfeita

— Magra! Eu preciso ser magra para ser perfeita! — falou Mabel para Malvina, sua mãe.

— Mabel, pare com essa sua obsessão procurando ser perfeita. Não existem pessoas perfeitas.

— Elas são perfeitas! — apontou para as revistas que havia várias fotografias de grandes modelos — Eu preciso ser igual a elas!

— Onde você vê perfeição nelas?! Nos ossos? Pois é só isso que elas tem!

— Você nunca vai entender! Estou atrasada para a aula, nos vemos depois. — Mabel apanhou sua mochila e foi a caminho do colégio.

Mabel dava passos lentos pelo corredor da escola, imaginando mil e uma formas de emagrecer, anteriormente ela já havia parado com algumas refeições, mas não era o suficiente, o concurso para miss já estava chegando e o processo de emagrecimento deveria acelerar. Logo pensou “menos comida, mais exercícios!” Em seu ponto de vista, isso a levaria ao corpo perfeito.

Agora, afastando-se de seus pensamentos, Mabel notou que seu amigo, Fernando, caminhava em sua direção com um belo sorriso no rosto.

— Ei Mabel! — pronunciou o rapaz — Como você está?

— Estou bem e você?

— Estou bem, obrigada. Sabe, enquanto eu vinha em sua direção, notei que estava pensativa, o que houve?

— Preciso emagrecer!

— Emagrecer?! Se emagrecer mais um pouco você some!

— Não entende Fernando?! Estou enorme de gorda, o concurso está chegando e nada de minhas dietas funcionarem!

— Ainda não consigo entender o seu raciocínio. — fingiu-se de desentendido, mas ele havia entendido muito bem e não estava gostando nem um pouco da conversa da amiga.

— Lerdo! — Não entende?! As modelos são magras, isso que as tonam perfeitas, e eu preciso ser perfeita, magra como elas.

— Tola! Não vê de que nada adianta d ser magra ou acima do peso? Ninguém é perfeito.

—Você fala como minha mãe! Mas isso não importa, já estou decidida, daqui em diante viverei apenas de água e exercícios e você vai me ajudar!

— O que?! Sinto lhe dizer, mas nisso eu não ajudo!

— O que? Vai me deixar na mão?! — Mabel bufou irritada — Tudo bem eu não preciso de você, farei tudo sozinha, serei perfeita! — a garota saiu bradando pelos corredores.

— Tonta, mal sabe que já é perfeita o suficiente... Para mim. — Fernando pensou alto.

Aqui temos o caso de amor secreto, Fernando tem uma forte paixonite por Mabel, porém nunca teve coragem de dizer sobre seu sentimento para a amiga, aliás, nunca falou nada, pois sabe que Mabel só tem olhos para Carmelo, o garoto repetente do terceiro ano. Carmelo é um rapaz moreno de olhos claros, corpo atlético, desejado por todas — outro motivo para Mabel querer ser perfeita, é de que um dia possa finalmente conquistar Carmelo. Então Fernando vive assim, sofrendo calado por amores.

Semanas se passaram e Mabel já tinha começado o seu “projeto” e já era notável sua perda de peso — sim, seus ossos já eram bem visíveis também. Neste tempo, a garota tem parado de comer, e se sua mãe lhe obrigara a comer algo, minutos depois ela força um vômito e volta a se sentir mais leve. Fernando já quase não reconhecia a amiga, os pais da menina estavam desesperados com o estado da filha, já Mabel estava confiante, esta perda de peso a deixou mais obcecada, era como se a perfeição fosse uma droga e Mabel a viciada, isso já estava te consumindo por inteiro.

— Hoje notei que emagreci mais três quilos! — contou Mabel animada para seu amigo, que permaneceu calado — Não dirá nada?

— Já disse que não gosto deste jeito que está se acabando. Está pior que uma drogada!

— Só vê os defeitos! Não vê como eu melhorei?! Se bem que emagrecer mais um pouco não faria mal nenhum.

— Pare com essa obsessão! Não vê que até seu cabelo está perdendo cor! — Fernando tinha razão, o lindo brilho das madeixas vermelhas de Mabel estava sumindo pela falta de vitamina.

— Não faz mal, o cabelo loiro está na moda. — Fernando olhou incrédulo, estava assustado com tamanha ingenuidade da garota. — Sabe, daqui três dias será o concurso de miss, você irá, certo?

— Errado, tem um show de aberrações no circo que é mais interessante. — Mabel ficou triste com a arrogância do amigo, Fernando nunca fora assim com ela — Chame o Carmelo.

— Já chamei, ele disse que tinha coisas melhores para fazer — falou baixo, estava deprimida por ter sido rejeitada pelo amado.

Ambos ficaram calados por alguns minutos, Mabel começou a sentir uma fraqueza, sua visão embasou, ela segurou-se no braço de Fernando, que olhou para ela assustado, a menina fechou os olhos lentamente e logo apagou.

O grande dia chegou e Mabel se arrumava mais uma vez para a próxima etapa do concurso.

— Você tem certeza que quer fazer isso? —perguntou Malvina para sua filha.

— Toda certeza do mundo, eu já consegui fazer duas apresentações, não vou desistir.

— Mas você já passou mal esta semana, e com certeza já deve estar mais fraca.

— Tem razão, estou um pouco cansada mesmo... Mas nada me impedirá!

— Mabel Ventura, sua apresentação começará em três minutos. —avisou a produtora do concurso.

— Me deseje sorte. — Mabel abraçou a mãe, Malvina teve uma dor no peito ao ver a quão pequena e frágil estava sua filha, uma sensação ruim predominava sua mente.

Meses depois, Malvina dirigia vagarosamente o seu mustang 67 em direção do cemitério, ouvia baixa a música O Mundo é Um Moinho, do Cazuza, seu coração apertava, pois a canção só fazia lembrar a sua falecida filha.

Mabel morreu na quinta etapa do concurso, estava tão fraca depois que apresentou a sua coreografia de ginástica rítmica que acabou não suportando a pressão.

Pobre garota que buscou ser perfeita a vida toda, mas agora ninguém poderá continuar te vendo perfeita a sete palmos abaixo da terra.

“Não enlouqueça buscando a perfeição. Alguns defeitos são importantes.”

Paulo Coelho