ESTA CHOVENDO DINHEIRO

Nao e dia de festa, nenhuma data comemorativa, temos apenas a aparencia cotidiana, cansada, do ir e vir de cidadaos no meio da semana. Nove horas de uma ensolarada manha de quarta feira na Militares, uma linda avenida no centro financeiro da cidade.

Trens e onibus ja ejetam seus usuarios nas ruas como numa invasao civil ao silencio da manha. A cidade nao dormira, nao descansara, apenas dera uma tregua a seus habitantes.

Veiculos ja se acotovelavam por um espaco a rua ou em uma provavel

vaga no estacionamento.

Em frente a um dos principas e mais imponentes edificios da Militares,

na banca de revistas, um grupo de quatro senhores aposentados e consumidores de manchetes da manha, foi tomado pela curiosidade em saber qual o motivo que faria com que alguem jogasse lixo pela janela do edificio a frente, em pleno inicio de dia.

Vigesimo sexto andar...alguem real e supostamente resolvera esvaziar

a lixeira de sua mesa justamente pela janela.

Maria da Graca, que acabara de sair da sua faxina matinal do edifico da esquina, foi a primeira a esbravejar: "Deveriam prender pessoas que jogam papeis na rua e sujam a cidade" ...e apressando o passo ,nao queria perder o proximo trem.

O relogio do outdoor nao contara mais que alguns pares de segundos

para que muitos ja desenvolvessem opiniao propria sobre o assunto.

Mas eles nao teriam a oportunidade de pronunciarem-se, e provavelmente em outros pares de segundos mais , ja haveriam de mudar de pensamento.

Tito, um garoto de quatorze anos, vitima do trabalho infantil e da precaria educacao publica no pais, esquecera-se

ate de seus clientes que costumeiramente prestava-lhes o servico

de fazer brilhar seus sapatos, e empougou-se com a visao. Nao era lixo, era dinheiro...isso mesmo, dinheiro vindo do ceu.

Sentindo-se como se estivesse na ponta do mastro de uma caravela avistando alguma "Terra de Vera Cruz", foi um dos primeiros a notar

a verdade sobre os estranhos papeis que deixavam-se levar pela brisa suave da manha ao longo da Militares...e num grito de descobridor estufando o peito e misturando alegria e perplexidade liberou da garganta..." ESTA CHOVENDO DINHEIRO".

A essas aulturas muitos ja nao sabiam para onde correr, pois so podiam esperar que essa grana viesse em sua direcao.

Esqueceram-se todos do "sujismundo" que jogara o tal lixo pela janela

e agora com os bracos abertos ao ceu veneravam um novo santo da Militares.

As notas ja comecavam a tocar o asfalto, calcadas,

telhados e todos, desordenadamente, tentavam intercepta-las, alguns com algum sucesso..outros, esquecendo-se das dores lombares da noite mal dormida lancavam-se ao solo diretamente na colheita.

Todos os automoveis das imediacoes ja haviam expulsado seus motoristas para o meio da avenida. Muitos usavam a estrategia de posicionar-se nos tetos dos automoveis na esperanca egoista de que o dinheiro chegasse primeiro em suas maos.

Tito ainda corria em meio a todos com algumas cedulas em uma mao e um pequeno corte na outra (que nem ele sabia como acontecera).

Anarquia completa, gritos, gargalhadas, choros, palavroes, discussoes...tudo acontecia simultaneamente.

Houve ate quem entrou em estado de choque com toda aquela cena, ficando sem saber o que fazer. Uma viatura policial desponta na esquina e quatro policiais locais correm de encontro a multidao...

Porem eles , na verdade, nao sabem como proceder...ainda nao

ha violencia caracterizada, nao ha roubo, nao ha nenhum crime aparente que necessite de forca policial contra a multidao.

Cedulas ainda deixam a janela do vigesimo sexto andar e a noticia do

Eldorado da Militares ja correra ate as muitas ruas dos arredores, todo

comercio local ja estava fechado....alias nem teria conseguido abrir.

Onibus abarrotados ainda paravam nos arredores e com os motoristas sendo os primeiros a abandona-los , nada mais restava a fazer aos

passageiros senao juntarem-se expontaneamente aquele quadro tipo "tudo por dinheiro".

Em apenas trinta minutos, tinhamos mais pessoas na avenida que todos os integrantes de uma "Beija Flor" sambando e pulando no paraiso da Militares. Os quatro policiais, colocando, disfarcadamente ,

algumas cedulas nos bolsos, misturaram-se inexperadamente na multidao e agora participavam da primeira corrupcao relampago vista nas ruas brasileiras.

A chuva estava parando...mas nao vinha a bonanza...e sim dezenas de

mais soldados aproximando-se ameacadoramente contra toda aquela massa que ja estava a fazer a contabilidade daquela loucura.

Sem uma meta real a cumprir, os policiais tentam dissipar o povo

que ainda insiste em permanecer na area na esperanca de que a janela do vigesimo sexto recomece a agracia-los com mais milagres.

Uma outra tropa de choque se dirige imediatamente ao edificio

fonte de toda aquela grana e desencadeiam a operacao "busca do milagreiro da Militares".

Uma ambulancia chega gritando desesperadamente, pedindo passagem para atender alguem ferido na multidao... Poucos dao atencao.

Policiais ainda empurram o povo para todos os lados sem saber porque e para onde...

Agora sim...acaba de descer algemado, quem achou que tinha feito uma boa acao. Dezesseis soldados estao escoltando Mauricio Vargas Palhares... 39 anos, divorciado, dono de uma peuquena empresa a beira da falencia...

Sorriso insano de estampa, resolveu, a semanas atras, vender quase todo o patrimonio da empresa, fracionar o resultado da venda em milhares de cedulas de um e dez reais, patrocinando doentiamente aquela chuva paradiziaca ao inves de tentar pagar as suas dividas.

A multidao o aplaude...Apupos aos policiais...

Na outra esquina em meio ao rodear de dezenas de pessoas satisfeitas com o dinheiro arrecadado, trabalhavam os paramedicos da ambulancia. Eles acabavam de por na viatura o corpo, sem vida, de um adolescente conhecido por Tito que teve seu cranio fraturado fatalmente por... por quem?...

Mauricio Vargas Palhares tambem era cliente de Tito...

Tito que ja era vitima de trabalho infantil, e do precario sistema de educacao do pais, agora tornara-se tambem uma vitima da ma distribuicao de renda.

Eddie Freitas
Enviado por Eddie Freitas em 21/06/2007
Reeditado em 23/06/2007
Código do texto: T536139