O ambulante da missa de Santana
Redes sociais divulgaram o fato. Agora mais do que nunca as pessoas faladoras dispunham de meios para dizerem o que achavam disso ou daquilo. Era domingo 26 de julho, dia de Santana. O povo contra e o que era favor do padre tinha um prato cheio pela frente. Os que guardavam raivas dos da igreja desde a época da eleição, estavam irritados, falavam que lugar de doido não era em púlpito, que o padre devia ser mandado pra outra cidade, que aquilo que ele tinha feito era um desrespeito. Onde estava a misericórdia pregada pelos da igreja, aquilo era um bando de fingidos, uns hipócritas. O outro lado dizia que se o padre não tinha autoridade durante a missa campal para chamar a atenção de um vendedor, quem era que tinha? O juiz mandava no foro, o coronel no quartel, o prefeito na prefeitura e quem era a autoridade da igreja? O mundo mudara muito. As pessoas estavam muito suscetíveis hoje. Em tudo quanto era lugar havia gente revoltada, insatisfeita argumentando contra e a favor. Tudo bem que isso era democracia mas, naquela cidade do sertão as manifestações eram contundentes até demais. Quem era que desconhecia que cidade pequena era lugar bisbilhoteiro principalmente quando o povo era muito desocupado? Pois bem era exatamente esse o caso dali.
As intrigas estavam em toda parte. Pelo lado dos adultos havia inveja, palavras maldosas, alcunhas depreciativas, zombaria, sarcasmos. Assim, os mais novos iam aprendendo e seguindo a trilha dos mais velhos. Desde cedo acompanhavam a farra das eleições, repetiam as farpas dos pais contra os do outro lado, assumiam sem nenhuma reflexão a convicção dos seus e talvez quem sabe um dia quando fossem morar noutra região e se educassem, passassem a considerar os acontecidos da sua terrinha com mais propriedade e justiça.
Ali era muito difícil um segredo se manter secreto. Se alguém sabia de algo picante, feioso, maldoso, aviltante ou de qualquer tipo maléfico, a coisa corria rápido. A parte contrária alardeava e a história feiosa da vítima inimiga era recontada com requinte de crueldade na praça, nas esquinas, dentro da igreja. Desfrutavam com satisfação a vitória macabra de contar um acontecido infeliz da outra parte. E por que não? Os outros eram do mesmo jeito, eram como os mal-educados torcedores de futebol que a cada final de jogo ou sofrem ou se divertem com o sofrimento dos do outro lado. Uma praga! Era raro e talvez impossível se encontrar um cristão mesmo entre os rezadores.
À sociedade chinfrim do lugarejo, só interessava o lado que lhe beneficiava, como acontecia em toda parte. Interesses, quais os seus? Não é do meu lado? Vá prá lá e mantenha bem grande distância!
Dentre as ideias esdrúxulas do lugar podia-se citar as opiniões dos mal cumpridores da lei. Bastava ver o caso das blitz para punir motociclistas sem habilitação, sem capacete. Era aí que apareciam os comentaristas humanitários defendendo os não habilitados e os que andavam em veículos com documentação irregular e sem capacete. Lei era lei mas era difícil entender aquele povo.
Em época de eleição a sensação de festa sobrepujava o carnaval. Havia discussão, separação de casal, briga e até morte em alguns comícios, uma coisa horrível. Um mandatário do lugar tinha o descalabro de dizer ao final da apuração pra prefeito que ele tinha tirado um candidato e botado outro, confessando pelo rádio e abertamente que ele detinha o poder para mudar o voto de alguns.
O lugar respirava intriga sempre. As diferenças, as disputas, o bate- boca estava em tudo e em todos.
Naquele domingo dia da padroeira o padre já estava se preparando para a defesa no sermão da noite. Enquanto isso o povo contra e a favor, gastava a saliva com o acontecido da missa campal da Padroeira e aguardava mais uma bravata para ter como começar bem a semana destilando seu veneno terrível.
Agamenon
Russas, 29 de julho de 2015