A Sacada (EC)
Sempre fui péssima para compreender o que as pessoas me diziam, em um primeiro momento. Eu nunca sacava palavras como “depois”, “um dia”, “um pouco”, “mais ou menos”, “às vezes”. Na escola, eu tirava as melhores notas, mas não entendia uma porção de coisas.
Quando criança, minha mãe costumava me dizer:
- Te apressa, Elisa. Menina, acorda. Uma hora você perde o trem da história.
Anos mais tarde, eu era bem jovem ainda, ela continuava com aquele discurso.
- Elisa, você não aprende mesmo. Ontem, seu pai reclamou da hora em que você chegou. O combinado era até as 22 h.
- Mamãe, as minhas amigas podem demorar mais tempo na praça.
- Um dia, você vai entender!
Na faculdade, é vergonhoso dizer, ela ainda me acordava.
- Por que você não vai para a aula hoje?
- O Beto me deixou na mão, disse que precisava ficar em casa fazendo um trabalho final, tive que voltar de ônibus. Ele disse que depois nos falávamos.
Perdi o sono e a hora naquele dia. E ela nem percebeu os meus olhos marejados.
Beto era o meu namorado, passei anos apaixonada por ele. Ele me trocou por uma colega de sala, minha amiga. Nunca entendi. Aquilo não era amor?
Depois, veio o intercambio, minha mãe não estava lá, meu pai deixou de me fazer cobranças e se separou dela. Tive poucos amigos e um namorado, “en passant”. E continuei não entendendo as coisas, as pessoas, as separações, os abandonos.
Também não me apaixonei por mais ninguém, perdi a confiança. Daquele grupo de amigos da faculdade, me restou apenas um.
Pedro era o seu nome. E ele me enviava mensagens a toda hora. Queria saber o que eu estava fazendo. Se dormia bem, se comia direitinho, se aprendera o inglês dos gringos, o que lia. Eu não entendia, mas respondia. E até gostava.
Eu lhe contava sobre o meu dia, das poesias que amava, dos filmes que me faziam chorar. Da dor da saudade, da falta e do vazio. Falava sem medo de parecer ridícula, com ele podia tudo. Ele sempre compreendia, às vezes, surgia uma chateação, minha ou dele, mas passava logo quando o outro dizia um oi, esboçava um sorriso (mesmo a distância). Nele eu confiava e a saudade só crescia. Não era só saudade, era falta. Eu sentia falta do seu sorriso, da voz, do olhar tímido, breve e até do seu silêncio.
Durante um tempo, o do internato, ouvia no silêncio a voz da minha mãe “Elisa, o tempo passa”; “cuida das pessoas que você gosta”; “não se pode ficar só toda uma vida”; “presta atenção, observa os detalhes”.
E eu continuava buscando, me perguntando, até que, um dia, depois de um tempo ausente – eu não entendia aquela ausência – o Pedro me falou:
- Elisa, eu estou partindo.
Fiquei muda. Tomada por um susto ou medo ou dor, raiva até - fui impedida de falar.
Nunca mais nos falamos. Naquele tempo, eu não compreendi o que as palavras tentaram me dizer. Depois, soube da tristeza da família do Pedro. Tudo ocorrera muito rápido.
Hoje, compreendo e concordo. O amor existe quando um mora no outro, diz o poeta Mário Quintana. Eu concordo.
Este texto faz parte do Exercício Criativo – A Sacada. Saiba mais, conheça os outros textos: http://encantodasletras.50webs.com/asacada.htm