Platônica

Prometera não ir mais aquele mercado. Havia outras opções na vizinhança para comprar carne e temperos frescos. Não precisava ser ali. Está certo que bastava atravessar a rua e encontraria tudo para o almoço do marido e dos filhos. Aquele dia amanheceu com uma ideia – nada inocente – na cabeça. Prepararia uma costelinha de porco ao forno. Bastariam uns quinhentos gramas da carne, mais limão e pimenta do reino. O resto tinha em casa. Um dos pratos prediletos da família e elogio garantido do marido, que não tinha por hábito enaltecê-la. Assim, na cozinha, arrancar-lhe-ia algum louvor. Soltou os cabelos, ajeitou o vestido, desabotoando-lhe os dois primeiros botões. Não saía muito de casa, mas quando necessário não esquecia as vaidades. Aos quarenta e mãe de dois adolescentes, ainda era envolvente, embora com ar maternal. Os quadris chamavam atenção. Porque sabia disso, caminhava devagar por entre os carros. Não era exibida, mas gostava de ser vista. Principalmente no mercado frente a sua casa. Lá estavam os olhares dos mais admiradores. Por onde passava, os feirantes debruçavam sobre legumes, frutas e hortaliças numa reverência divina. Ela retribuía com sorrisos, acenos e cumprimentos. A simpatia atravessava os boxes até chegar ao açougue. O coração dispara e as pernas tremem como a de uma criança diante de uma aventura. Há um mês fizera um acordo de não mais ser cliente dali. Aquele lugar tirava-lhe o sossego. Estava prestes a sair correndo quando ouve a voz perturbadora: “A senhora vai levar o que hoje?” A voz divina e proibida, que lhe fazia implodir de paixão. A voz firme, de braços fortes e de mãos precisas sobre a carne. “Quero costelinha”, diz quase sussurrando. O rapaz vai até o freezer e escolhe o melhor corte. “A senhora vai gostar”, diz olhando nos olhos dela. De longe o observa partindo ossos e carne. Alto, forte, moreno, de roupas e botas brancas. Parecia não estar com pressa, enquanto ela já ensaiava um rápido agradecimento e a fuga. Que besteira, não precisava estar ali diante do perigo. Ao mesmo tempo em que era bom sentir novamente o coração acelerado e os pensamentos confusos. Já na frente dela pesa a carne e enquanto faz o embrulho sacramenta: “volte amanhã, teremos carnes frescas”. Ela finge que não ouve, paga o rapaz às pressas e volta para casa com o pensamento obsessivo no cardápio do dia seguinte. Picanha, mignon ou, quem sabe, um belo lombo.