VIVA O CORDÃO ENCARNADO!
Viva o Cordão Encarnado !
Boa Noite, meu senhores todos!
Boa Noite, senhoras, também!
Somos pastoras, pastorinhas belas...
E a menina de sete anos extasiava-se diante da cantoria das danças do Pastoril de Olinda. Tudo tão bonito e tão colorido! As pastorinhas pareciam fadas ou ninfas, vestidas de encarnado e azul. As saias rodopiavam e seus pandeiros rodeados de fitinhas coloridas quando tilintavam, todos juntos, pareciam sininhos dos anjos que abriam as portas do céu.
Seu primeiro desejo foi ser a “borboleta” do pastoril. Geralmente, uma pequena menina vestida com saias de tule, asas vaporosas de furta-cor e grinalda de flores coloridas na cabeça, fazia uma performance cantando e dançando a música da borboleta:
Eu sou uma borboleta,
Sou alegre feiticeira...
Mais parecia um anjinho... E as ninfas em coro acrescentavam ao fundo:
Borboleta pequenina,
Vem aqui neste jardim!
Venha ver, oh! quantas flores ...
Aos dez anos, dançou seu primeiro pastoril. Era uma das pastoras do cordão azul.
_Cordão azul, sim senhor! Este é o cordão dos bons e tementes a Deus - diziam suas tias carolas. _O cordão encarnado é do diabo! É a cor de Lúcifer! Cruz credo!.
E lá ia a pastorinha:
Meu São José dá-me licença,
Para o pastoril passar
Viemos para saudar...
E o pelejo começava. As meninas vestidas de encarnado ressoavam:
Sou a mestra do cordão encarnado
O meu partido eu sei dominar
Eu peço palmas, peço alegria.....
Lá embaixo do palanque, ouvia-se a torcida dos dois cordões que participava, não como espectadores passivos, mas numa comunicação íntima com os personagens. A forma franca e informal incluía, não apenas palmas, mas vaias e assobios, com dedos rasgando as bocas, piadas e ditos, apelidos e descomposturas.
_ Viva o cordão encarnado! _ gritava um.
_ Vaias para o cordão de Lucifer! – gritava outro.
_ Encarnado é sangue de Jesus, seu porqueira!
_ Não é sangue, é o fogo dos infernos!
_ Pastorinha linda, vou dar dez cruzeiros pelo teu cordão hoje!
E entravam as pastoras do cordão azul:
Sou a contramestra do cordão azul,
O meu partido eu sei dominar
Eu peço palmas, peço muitas flores......
E o público entrava em delírio:
_ Viva o cordão azul! – gritavam uns.
_ Azul, é cor de defunto. É a cor de Judas Escariotes que traiu Jesus! – gritavam os do contra.
_ Azul é cor do céu! É a cor do manto de Jesus!
_ É a cor da traição!
_ Pastorinha linda, por ti darei toda minha riqueza !
E a menina voltava pra casa feliz, vestida de pastora do cordão azul, fiel ao seu partido, do céu, do manto de Jesus. Sonhava com os anjos, com o arco-íris e com o tilintar dos sininhos na porta do céu.
Foi só aos quinze anos que sentiu aquela estranha vontade de pecar.
_Viva o cordão encarnado! - gritou, ainda vestida de azul, antes de terminar o pastoril.
O motivo? Estava lá em baixo, vestido numa calça “calhambeque”, camisa de “gola rolê” e botinhas sem meias. Era o que podia se chamar, na época, de “um pão”. Jogava o longo cabelo liso para trás ao estilo Ronnie Von e, com uma voz anasalada, ao estilo Roberto Carlos, repetia:
_ O cordão encarnado é uma brasa, mora!
E a menina-moça repetia baixinho antes de dormir:
“O cordão encarnado é uma brasa, mora!”
E sonhava que era a mestra do cordão encarnado e cantava para o seu amado:
É do meu gosto, é da minha opinião
Que amar o encarnado dá prazer no coração ...
_O encarnado é cordão de quenga! - ameaçava a tia carola em seu sonho.
E a menina-moça suada, virava para o outro lado e pensava:
_ O cordão azul é das santinhas .... do pau oco. Vai ficar tudo pra titia!
Dormia e o coro entoava:
Viemos, para adorar, Jesus nasceu para nos salvar!.
E Jesus aparecia no sonho de manto azul, botinhas sem meias, dizendo com a voz de Roberto Carlos:
_ O cordão encarnado é uma brasa, mora!
As meninas de encarnado eram mais vivas e mais alegres. São assanhadinhas, diziam, vão dançar de saia curta para se exibirem pros rapazes! As de azul eram comportadas, normalistas, moças sérias, de família, só namoravam pra casar. E o pai da menina não se cansava de dizer:
_Se o cabra quiser namorar minha filha, vai ter que me pedir antes e vai ter que namorar direito, debaixo de meus olhos!
E a menina, moça de quinze anos, com uma estranha vontade de pecar, ora via-se no cordão encarnado, ora no cordão azul.
Sou a Diana não tenho partido,
O meu partido são os dois cordões ....
Era como ela se sentia: meio azul, meio encarnada; meio santa, meio pecadora. Sem partido, ou antes, escrava dos dois partidos. Mudou de partido. Foi pro encarnado, partido das alegres, assanhadas e pecadoras. Encurtou as saias e rodopiou com força para insinuar as pernas e coxas recém-depiladas.
_Pastorinha linda, quero te namorar!
Namorou “o pão” debaixo do palanque, longe dos olhos do severo pai.
Acostumou-se a dar desculpas evasivas para as tias e o pai:
_ Foi o vento, papai! Na hora que rodopiei, o vento levantou a minha saia!
_ Encarnado é o sangue de Jesus, titia! Danço pensando nele!
Um dia, conheceu um príncipe pelo qual se apaixonou. Rapaz sério queria namorar para casar. A menina, agora mulher, já com vinte e poucos anos, voltou ao cordão azul. Tornou-se séria e queria casar de véu e grinalda. Sua mãe, a que tinha a sabedoria de Diana, sugeriu:
_ Vá só de grinalda! Pode dar um vento forte e o véu das virgens sair voando!
Ria da brincadeira mas, por via das dúvidas, dispensou o véu e casou só de grinalda. E a menina-moça, agora mulher, seguiu sua vida, ora fiel ao cordão azul, ora ao cordão encarnado e quando alguém queria saber o seu partido, respondia:
_ Nos partidos da vida, sou a Diana. Torço pelos dois cordões.