ERAFROSINA

CONTOS que não ganharam concurso, mas também não foram lidos por comissão julgadora. (Do início dos nos 80: os originais estão datilografa-dos)

O sol estava frio em seu rosto, incomodando-a. Erafrosina. Não era. Matutava... Queria entender-se. Quisera; já não mais se gastava com estas tolices. Queria mesmo era ser como as plantas, amarradas em pequeno espaço; não sofriam. Sofrera muito quando saíra de casa; já não mais sofria. Viera para a cidade grande cansada de apanhar por ter pecado contra a carne. Nascera uma ferida em sua coxa, e a criava, em todos os sentidos, a ponto de sentir-se, nela, uma chaga única. Vagava pedinte, nada conseguia, comida ou pouso. Batia às portas. Deu com uma senhora já avançada de idade, tomando sol em seu jardim.

- Ô dona, arranja qualquer coisa de comer, tenho fome. Vim do interior, faz três dias que não como nem um pedaço de pão.

- Onde você mora, moça?

- Estou na rua mesmo, não tenho lugar para ficar ainda não, dona.

- Qual é seu nome?

- Era Frosina... Quando eu estava no interior.

- Erafrosina?

- Sim senhora.

- Você gosta de trabalhar? Serviço pesado?

- Num enjeito nada, dona. Trabalhei até enxada.

- Vou te dar cama e comida, em troca você faz os serviços que minha idade não agüenta mais.

Passou a morar no depósito de lixo da casa. A velha tinha seus pecados, de ou-tros tipos, antigos, e fazia caridade pensando pagá-los antes que a morte a levasse. Era-frosina fazia a faxina da casa, e a velha queria que fosse todo dia; arrastava móveis, lus-trava chão e os vidros, lavava as roupas. E era boa cozinheira, coisa que nem ela sabia. Era um servição, mas agora vivia alimentada, de banho tomado e roupas limpas,

- Erafrosina, vamos ao médico... - a velha preocupou-se primeiro com a ferida, que exalava mau cheiro insuportável.

- Não, mãezinha!

- Precisa de tratar esta ferida, Erafrosina.

- Não, mãezinha, não vou não! Não pode sarar minha ferida não, mãezinha.

- Erafrosina, fico atormentada com você dormindo lá no depósito de lixo... Que-ria ter você aqui comigo, gozando do meu bem estar, da minha sala de televisão, mas com esta ferida neste estado, não há jeito, Erafrosina.

Erafrosina gostava do vidro da televisão, embevecia-se olhando o cinza do apa-relho. Desinteressava-se tão logo a luz formasse imagens, saía de perto resmungando coisas.

- Erafrosina, você tem entrado na minha casa quando não estou... Não quero!

- Mãezinha, gosto de ver televisão.

- Se você entrar de novo, vou ter de mandar você embora daqui, Erafrosina.

- Não entro mais não, mãezinha.

Carregava água no balaio para mãezinha até desconjuntar a coluna. Não parava de trabalhar. Aliás, parava às vezes, em frente ao aparelho, olhando-o, vendo seu reflexo no vidro. Tirava o fio da parede, medo de que ele se ligasse sozinho. Mãezinha, sempre que a via assim, de olhos brilhantes, dizia uma fala decorada:

- Gosto de você, Erafrosina. Posso confiar minha casa a você, que você respeita. - acendia o televisor - pode descansar um pouco, agora, Erafrosina.

Erafrosina corria da sala, o mais depressa, cuidar de outras arrumações. Evitava sair nas ruas, que não as entendia, e conversar com as pessoas, que não a entediam. As-sim, mãezinha não a mandava fazer pequenas compras ou recados. Servia-se do menino da vizinha, Tonico, doze anos, muito esperto e que gostava de uns trocadinhos.

- Me traz um litro de leite e meio quilo de farinha de trigo... O mais urgente pos-sível

Erafrosina se punha à distância e grudava os olhos no menino, percorria seu cor-po todinho, e fixava os olhos em sua braguilha. Aquilo mexia por dentro do menino, que só enxergava as pernas da moça, de onde subiam os olhos a imaginar subir coxa, ir para o meio, voltar à coxa, retornar ao meio imaginando pêlos imaginar - de ouvir dizer, diga-se de passagem.

- A senhora me dá um copo de água? - pedia, como a querer prolongar a visão iluminada por seus devaneios.

Servido, bebericava a goles lentos, sob o olhar guloso de Erafrosina. Saía de mão no bolso, o que mãezinha pelas experiências idas, supunha, sem poder nada dizer.

- Erafrosina, anda! Chama Tonico pra mim... Ver se me compra um açúcar.

Erafrosina emitia um uivo agudo, prolongado, e, em dois minutos, o menino es-tava lá, engraçado, agora com calção cada vez mais largo. Perguntava o que a senhora queria, sentia o olhar de Erafrosina, e pede um copo de água. Sentia comichões e enfiava a mão no bolso. Era sempre isto e parecia que nisto iria ficar.

- A senhora pode me dar mais um copo de água? - um belo dia, sob o olhar se-dento de Erafrosina, o menino teve uma sede maior ainda,

- Posso! Mas ande depressa senão a massa se perde... Preciso da manteiga para untar a forma.

Tonico sorveu a água engolindo os olhos de Erafrosina. A mão no bolso. Seu braço entra em convulsão e entorna seu líquido no calção largo, indo um pouco parar no chão. O cheiro ascende que nem incenso, rebenta velhos nós e pudores. Mãezinha fica possessa.

- Menino porco! Sem vergonha! T´excomungo! Cretino! Depravado! Erafrosina, Erafrosina! Deita a correr este amaldiçoado de minha casa! Lava este chão aporcalhado! - mãezinha se deita, arfando.

- Erafrosina! Me traz minha coramina!

Erafrosina alisa no chão aquelas gotas vivas, aperoladas, no silêncio do gozo conseguido.

- Minha coramina, Erafrosi... - a voz estanca no ar ao vê-la vertida no chão, mão espalmada escorregando no líquido.

- Sua porca! Use um pano, sua imunda! - a velha grita

Tonico espalhou para a meninada, todo mundo queria ver a bunda da moça, des-crita sem cheiro, só com os sonhos que teve. As mães logo descobrem os filhos brin-cando com a mão, e muito. Por mais que escondam, o cheiro denuncia. Consegue-se a confissão de um dos meninos pego em flagrante, era tudo por causa de Erafrosina.

- Se fizer isto de novo, vai ficar de castigo! Não sai mais de casa! E não chega perto desta mulher, ela é doida varrida.

Da mãe o assunto foi para as comadres e das comadres ao padre, a moça estava pervertendo seus filhos. Sim, todas já haviam prometido castigo, não sair de casa se cometessem este pecado. Isto era afastar-se da turma, necessidade quase instintiva nesta idade. Um deles, mais destemido, queria a coisa de perto, pegar se pudesse.

- Olá! Como vai? Te vejo sempre com a velhinha, você não sai muito, não é? - Aproximou-se.

- Não saio não.

- Você é muito gostosa, a gente podia uma noite destas fazer o negócio... lá no muro do cemitério, é escondidinho - querendo saber de onde vinha aquele cheiro de coisa podre.

- Não quero fazer negócio nenhum!

O menino percebeu que o fedor vinha dela. Assuntou, arrastou conversa, e soube de onde vinha o mau cheiro; das pernas. Curioso, levantou a dela saia em plena rua e viu a feridona, com pus, crostas, um cruz-credo enorme.

- Você é uma porca! Não trata esta ferida não?

- Não posso tratar ela não, para pagar meus pecados.

- Você é doida! Doida de jogar pedra! Ninguém paga pecados assim! Gostosa e fedorenta! À merda, moça; à merda doidona!

Isto espalhou que nem aguapé na lagoa: Erafrosina era doida e fedorenta. A cul-pa de estar depravando meninos chegou a ela; não se continha, contudo, não tinha mais Tonico para lamber com os olhos, e ia pelas ruas encarando os meninos. Passou a fre-qüentar a igreja, confessar e comungar, quando o padre, pondo a hóstia em sua boca dizia: “corpo de Cristo”.

- Doida! Doidona! Doida! - era a reação dos menino quando em grupo, ou seja, sempre.

Apedrejavam-na. Sua cabeça explodia com os gritos amarrando seus pensamen-tos, tolhendo-os. As mulheres a evitavam. Os homens a encaravam, de longe. Foi à missa confessar e um pecado ardia em seu peito, sem nunca ter coragem de dizê-lo.

- Pequei in pensamento, palavra e obra. Fiz isto e aquilo. Menti para mãezinha. E... - perdeu a coragem de confessar o pecado que mantinha escondido.

- E o quê, minha filha?

- Não tenho coragem de dizer.

- Diga sem medo, a dor da culpa é maior do que qualquer dor ao admiti-la.

- Peco na comunhão cum o corpo de Cristo dentro de mim.

- Como assim, minha filha?

- Penso bobagem?

- Quais bobagens, minha filha?

- Bobagens bobiçosas, ora... Não está em mim. Sinto o corpo de Cristo em minha boca, até ele cuspir nela. Não está em mim, padre.

- Como você pode ter estes pensamentos, minha filha, é um pecado muito gran-de, não pode ser absolvido. Porquê você faz isto?

- É gostoso, padre, me faz lembrar da minha infância.

- Isto não é pecado, minha filha, é loucura.

Mãezinha teve visita importante, o padre recomendara internar no hospício, re-cusou-se, de início, a se desfazer de quem considerava já uma amiga. A moça passou a rezar, baixinho, o tempo todo, excomungando-se. Ás vezes gritava; a velha seguiu o conselho do padre.

Mãezinha ficou só, de novo. Erafrosina lhe era companhia e lhe dava afeto, mí-nimo que fosse. A solidão pesa e faz a senilidade de mãezinha desabar como água abai-xo. Ficou caduca. Saía á rua e se perdia, falava coisas desencontradas, quem sabe até punha penico na geladeira, quem vai saber? Sentia fome, ia à mercearia e nunca sabia o que fora comprar. Ia pelas ruas resmungando.

- Doida! Doidona! Doida! - em pouco tempo, sentiu a carga da língua da meni-nada.

A fome comia seu corpo. Os vizinhos sentiram pena e procuram parentes. Os encontrados nem pestanejaram, asilo? Muito caro, quem pagaria? Eu não! Nem eu! Pu-seram-na no hospício. Fora se encontrar com Erafrosina.

*** ***

O menino vira a mãe crescer barriga e acompanhou curioso. Mãe sempre pas-sando mal, lhe dava menos atenção. Chorava mais.

- Pode ir se preparando, filho, a cegonha vai te trazer um irmãozinho.

- Não quero irmãozinho não, não quero não!

- A cegonha traz e você aceita, filho.

Um dia acordou de madrugada com a mãe aos gritos. Levantou-se. O pai estava nervoso, andava de um lado para o outros, fora do quarto fechado onde a mãe gritava. Pai bateu na mãe de novo, pensou. A mãe continuava gritando no quarto. Chamava os santos todos. De repente, a mãe para de gritar, ouve-se a voz de uma mulher e um choro de criança:

- Já acabou minha filha, só falta tirar a pracenta. É menina, comadre - era a par-teira.

Era Frosina chegada. O menino perdeu regalias. Voltou a fazer xixi na cama e estava sempre de cocô nas calças, mostrava que existia. Pediu bico abandonado há muito e tanto tempo, e fazia birra, esperneando-se no chão.

- Se num pará de uriná na cama, vô cortá sua dinga fora! Se não pará de cagá na calça, vai usá fralda di novo! - a mãe o amedrontava.

- Este menino vai me sair um viado! - o pai lhe punha minhocas na cabeça.

A mãe o atendia na medida do possível, preocupada também com o que o pai sempre dizia do menino. As coisas foram se ajustando e se ajustando. Os meninos cres-ceram. Frosina prometia ser uma meninona esperta. O menino era adiantado em quatro anos; chegada a hora, aprendeu a ler e gostava das aulas de catecismo. No grupo era tão inteligente, tão inteligente, que, diziam, daria até um doutor. A mãe se entusiasmava com a idéia. O garoto um belo dia lhe falou:

- Mãe, vou ser padre.

- Num não, vai é sê dotô, tirá a gente da miséria.

Os anos foram passando, passando e aquele desejo crescia dentro do menino. A mãe queria manipular sua vocação tão precoce. Que diabo de santo teria influenciado a cabeça do menino? Não perdia tempo em corrigir pequenos deslizes infantis.

- Num faiz isso, menino. Isto é pecado. Quem peca num pode sê padre.

- Eu quero ser padre, mãe, tirar a gente da Miséria.

- Vai sê é dotô.

Frosina, muito curiosa, descobria-se e ao mundo. Sabia bem o que pensava.

- Porque você tem e eu não tenho?

- O quê?

- Aquilo.

- Você não tem?

- Não!

- Mentira...Quero ver!

- Aqui, ó, não tenho - Frosina levantou a saia e abaixou a calcinha.

- Seus indecentes! Parem com isto! Sai daqui menino! - a mãe acudiu logo.

- O que você tem é uma perereca... não pode pererecar com os meninos, é peca-do, papai do céu não vai gostar de você - a mãe explica à menina.

A perereca não a incomodava, desde que descobrira seu corpo sabia que ela es-tava ali, fazia parte dela, mas pererecar a punha curiosa. Ficou sabendo com as colegas no grupo. A mãe procurava conselhos.

- A professora fala que meu filho vai dar um doutor e ele quer é ser padre, co-madre, não sei o que o que faço.

- Se ele pecar um pecado muito grande, não pode ser.

- Grande como?

- Se ele pererecar.

A professora sempre insistindo nos dotes do menino, o menino insistindo em ser padre, o tempo passando. O pai não queria sabe de padre na família.

- Quero pererecar, mulher.

- Hoje não, hoje dá filho!

- Bosta! - virou-se para o lado, sem conseguir dormir.

- Mariiido!

- Quê, bosta!

- Precisa de ensinar bobagem pro menino!

- Pra quê?

- Como é que ele vai pererecar se não sabe bobagem?

- Ainda está muito novo para pererecar, mulher.

- Se ele pererecar, não pode ser padre.

- Nãão? - levantou-se curioso

- Não!

- Não tenho coragem... não tenho coragem!

- Ensinar besteira pro menino, homem, é fácil.

- Não, já falei! Só não quero que ele seja padre!

O tempo passava, os peitinhos de Frosina já brotavam, só não formara ainda, e ninguém sabia quando isto iria se dar. A mãe teve uma idéia que primeiro a assustou. Irmão com irmão pode dar monstro, cruz credo! Pensava a mãe. O menino insistia, fre-qüentava o catecismo mais freqüente. O tempo corria.

- Mãiê, vou tomar banho.

- Deixa a porta aberta, Frosina.

- Pra quê?

- Você demora muito, a gente pode precisar de alguma coisa.

Deu um tempinho e chama o menino.

- Me traz minha touca de cabelo, no banheiro.

- Frosina está tomando banho.

- Pode ir lá, quê que tem? Ela é sua irmã.

O menino entrou, ficou encantado com a nudez da irmã. Seus olhos percorreram todo o seu corpo.

- Engraçado, você não tem mesmo.

- O quê?

- Nenhum corpo aqui - e passou a mão checa na menina.

- Tenho corpo aí não, é só perereca.

- Bonita!

- É.

A mãe ficou na escuta. Pelo menos curiosidade o menino tinha. Seu plano tinha de ser feito logo, se a menina menstruasse não o faria, irmão com irmã dá filho com defeito. O padre insistia com a vocação do menino, a professora insistia no futuro dou-tor. A mãe aproveitou uma malcriação da menina e a pôs de castigo dentro do baú esva-ziado para este uso. O menino chegou da escola, a mãe pediu alguma coisa.

- Não posso - e deu qualquer motivo.

- Seu malcriado! - transformou a resposta do menino.

- Perdão mamãe, o que fiz?

- Você está cada vez malcriado... Vai ficar de castigo!

- Perdão, mãezinha, perdão!

- Tire a roupa! Anda!

O menino não pensou em desobedecer, lembrou de correiadas que Frosina rece-bia de vez em quando. Foi levado para dentro do baú. Os dois pelados ali dentro. Era um castigo melhor do que o pai sempre prometia, lá em cima do abacateiro. “Passarinho na gaiola fez um buraquinho, voou, voou, voou... Foi cantar lá no abacateiro, chorou, chorou, chorou”. Haviam ficado lá uma vez, vendo o mundo no fundo do abismo, segu-rando firme nos galhos, com qualquer aragem, cair como abacate maduro, meu Deus, que medo!

Por qualquer motivo, a mãe punha o menino e a menina pelados dentro do baú, horas e horas, cabeça com cabeça, corpo com falta de corpo. Ficavam ali conversando, já se acostumando com o castigo. A mãe vigiava e nada acontecia.

- Vou ser padre - era a ladainha do menino.

A menina chorava baixinho, aos soluços. O menino a consolava.

- Chora não, ela não sabe o que faz - E alisava seus cabelos.

A mãe vigiava e não acontecia nada, e clamava por Deus. A menina pôs o pri-meiro sangue, não pode mais, irmão com irmã nasce monstro mas... Lembrou da língua do marido, não dá filho. Comprou um baú maior, mais largo. E por qualquer malcriação iam para o castigo.

- Agora é assim, vocês não podem conversar. Calados! E ajeitava os dois no baú, a cara do menino de face para a menina da menina. Mas num acontecia nada, a mãe vigiava. E insistia no castigo, um dia acontece, Deus é bom pai, um dia acontece. A menina chorava, ele não mais podia alisar seus cabelos, mas acariciava o que suas mãos podiam. De carinho a carinho, de carinho a carícias, um dia a menina descobriu o corpo do menino dentro de sua boca, forte, pulsátil, saindo, mas querendo ficar, até que sentiu aquele gosto estranho, cuspindo-o tão longe quanto o baú lhe permitia, e sentindo aquele líquido quente no pescoço. O menino já era homem. Um cuspo assustado com a mãe abrindo o baú.

- Tarado! Tarado! Você pecou contra a carne! Não pode ser padre!

O menino confessou-se. Não é pelo fato de ter feito uma vez, meu filho. É con-seguir não fazer para todo o sempre.

- Consigo!

As carícias faziam falta, tinha pais e não tinham afeto, aprenderam a carência suprida no baú. Não havia mais castigos, o menino pecara, o plano estava feito. A ne-cessidade de afagos os reunia. Nas noites, meio sonâmbulos, com os peitos ardidos, se entregavam a meio caminho de suas camas. Sempre no dia seguinte, o menino culpava a irmã.

- Quero-a morta, sua pecadora dos infernos. Você não quer que eu seja padre!

- Quero sim! É a coisa que mais quero no mundo!

- Sua sirigaita fingida! Serpente maligna! Cala a boca! Sua fírula - um nome feio que tirara de sua necessidade de não dizer palavrão.

Frosina recebia tapas quieta, chorando, pedindo que a ouvisse.

Quando a noite vinha, vinham sem temores, os tremores e o gozo. A menina aprendera na escola como fazer aquele corpo botar para fora sua água. O menino delira-va. De dia, pensativo, não podia mais ser padre, não conseguia viver sem comer carne, todo dia se pudesse. Passou a evitar a irmã. Dava-lhe surras, possuído, quando sentia seu corpo lambido pelos olhares voluptuosos da irmã. De noite, contudo, o desejo era mais forte, a menina já sabia o que era pererecar, o menino não, ela aflita ensinou. Agora pererecavam a meio caminho de seus quartos. Os pais fingiam não escutar. Dia seguinte, o mesmo: surras do irmão que queria ardentemente ser padre. A dor no corpo passou a ser maior que o prazer na carne. Frosina cansou-se. Não quis mais pererecar com o irmão, mas não deixava de tentá-lo, sob as cobertas, rezando para que não acordasse. De manhã sentia o cheiro nos lençóis, tomava seu café e ia bater na irmã, mesmo que fosse gozo noturno, de sonhos. Frosina apenas chorava, a tentação sempre aumentando, as brincadeiras com o corpo do irmão mais freqüentes, as surras mais acentuadas. O menino não podia ver a irmã que lhe dava no couro e incutia nela a culpa dos seus pecados. Os pais, vendo agora a menina assanhada, e tendo pavores da boca do povo, o menino batia, e do pai apanhava. Era seu café da manhã. De tanto apanhar sem nunca apagar seu fogo, Frosina fugiu de casa e dela nunca mais se teve notícias.

Gilberto Profeta
Enviado por Gilberto Profeta em 15/08/2015
Código do texto: T5347737
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