O golpe do Nacho

O Saul Luciano era aquele mocetão bonitão que toda boa e zelosa mãe desejava por genro. Empreendedor, bem sucedido, alto, olhos azuis, cabelo à escovinha, e já nem preciso ir além nos atributos que mais tinha, além, de salvo engano, ter aquele seu jeitão de self-made-man, americano.

Verdade que dava tanta atenção nos negócios - era dono de uma loja de eletrodomésticos - que pouco tempo parecia lhe sobrar para as demandas de Cupido. E os anos, voazes, vorazes, iam passando. Mas Saul não os perdia de vista, tampouco aquele par de olhos verdes, buliçosos, que encontrara num baile.

Os anos eram de toda gente, mas aqueles olhos verdes, translúcidos e inserenos eram de uma jovem donzela que vivia ao lado da capela, daquela antiga rua da Paciência. Dela e de Saul.

A jovem, Rosimery, ainda adolescente, frequentava o ginásio e, comedido nos gestos e atos, o Saul sabia que podia esperar. Devia, pois o amor lhe sorria, e a vida, cor-de-rosa é que via. Demais, havia uma ou outra repetência, que na conta do amor é só prazo de

carência.

Assim, despreocupadamente Saul e Rose de noutinha namoravam, enquanto à luz do dia, os negócios de Saul, prosperavam. De revendedor da Vigorelli, aquela máquina de costura 'que durava até acabar', Saul passara a incorporar itens mais sofisticados ao seu estoque, como máquinas de lavar, geladeiras e, como assinando uma promissória à conta da felicidade, empregara os irmãos de Rose, dando a ver que harmonia a tudo regia.

Só o casório, em permanente ofertório, é que não saía. Certo que os progressos de Rose com os livros não eram assim uma Brastemp - culpe-se o Cupido, esse intrometido, bem entendido - mas as pessoas

passaram a se inquietar com a longueza daquele namoro, que já se aproximava, ou passava, dos dez anos. Recursos ao moço é que não faltavam, e menos ainda a certeza de suas boas intenções. Mas e as bodas?

E não é que se duvidava da virilidade do bom Saul, mas a interrogativa, até da intenção mais assertiva é prerrogativa. E de boca em boca - pequena é bom que se o afirme - iam correndo boatos. E até apostas.

No meio tempo - e bote tempo nisso - Saul propôs. Tornaram-se noivos e as inquietações alheias pareciam amainar. Saul mudou de estabelecimento, do vetusto e austero prédio frontal à matriz, para

uma nova construção assobradada logo na Praça da Câmara, ganhando mais visibilidade - e freguesia. E até mesmo chegou a montar filiais em cidades vizinhas. Mas o mais bonito da matriz foi o letreiro iluminado, em acrílico, fundo branco e aquelas letras azuis: Casa Saul Luciano.

O que viria a seguir, todo mundo se pôs a cogitar, pois Rose havia colado grau e o Saul, beirando os quarenta dava todas as indicações de que iria por fim, dar golpe morteiro naquela vida de solteiro.

Mas a espera foi-se estendendo e a gentalha, a genitália, a gentelha, torcendo, sofrendo. Até que o Nacho, moço magrela, aprendiz de relojoeiro, julgando-se intérprete fiel dos desejos de plebe e clero, teve uma idéia - e, na calada da noute, a executou.

No dia seguinte a cidade acordou atônita para aquela adição: uma única vírgula que parecia resumir toda a citadina aflição. No pomposo letreiro, o que se lia, em meridiana luz do dia:

Casa, Saul Luciano.

E não foram mais de dous meses pra corrida dos proclamas e tava lá no altar o casal de pombinhos, jurando fidelidade e felicidade perante toda a cidade.

Paulo Miranda
Enviado por Paulo Miranda em 14/08/2015
Reeditado em 14/08/2015
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