Janela

- Não! - Acorda ela lembrando dos martírios que viveu. O apartamento vazio e tão silencioso que podia-se ouvir as conversas ali gravadas.

Ela levanta desviando das roupas pelo chão, que outrora era limpo. Na busca incessante de acalmar um coração que já não funcionava desde o fatídico dia.

Café e cachorro ajudariam, mas o paladar e o afago estão em falta.

Ao olhar na janela, o sol já nascia, jornaleiros abrindo, cheiro de pão subindo, pássaros cantando. E a angústia e a raiva só aumentavam vendo a vida acontecer. - E minha vida? Seria uma vida? - Ao questionar-se, ela reparou nos carros, nas crianças indo estudar e idosos voltando da feira... era quase meio dia e o olhar dela na janela se mantinha imóvel. Estômago vazio. Telefones mudos. Começava a nascer um pouco de realidade nos seus pensamentos e o corpo pedia energia. Era muito difícil viver de uma forma diferente. Era mais fácil fechar-se e se deixar morrer. Mas a janela não saía dali e a fazia ver.

Neste momento, já quase anoitecendo, o pesar era maior... - Devo trancar as janelas para sempre? - Entre sono e silêncio, a madrugada era fria. Por inocência ou ironia, ela pensou em ver na janela tudo o que via dentro de si, mero engano. A vida continuava. Jovens saindo, profissionais trabalhando, música. Isso a deixava mais angustiada e decretou - O problema é a janela! - E decidiu não mais olhar.

Seu egoísmo só aumentava e somente o que a deixaria feliz, seria o fim do mundo! Não compreendia como tudo continuava a acontecer independente da sua dor. Ao pensar isso, ela repensou e questionou e como uma luz ela percebera - É isso! A vida não acabara. Independente de todos e qualquer sofrimento, a vida não acaba. O mundo não para, para que você se ajeite. - Como uma faísca aquele modo de pensar modificou tudo - A dor permanecerá para sempre, ela afirmou, mas agora terei janelas maiores.