[mais uma história de dois - no bangalô]
Menino ainda, calças curtas, cochichava no ouvido dela que um dia eles iriam se casar. Ela sorria, ficava corada, saía correndo, apressada, assustada, apaixonada.
Moravam em bangalô parede-meia, batiam na parede à noite, código morse aprendido com o avô dele.
Juravam juras pequenas e tinham sonhos grandes. Até filhos anteviam: meninos com sardas, enferrujadinhos como ela, cabelos vermelhos despenteados e cara de valquíria desbravadora.
Ele queria assim: todos com a cara dela, o jeito dela, a alma dela, se pudesse ser.
Porque se achava feio, desenxabido, pernas tortas, queixo pontudo, olhos desiguais. O cabelo, escorrido, tinha cor de vão-de-cerca.
Ela, ao contrário, para ele era a beleza de uma deusa que via nos livros da estante antiga do mesmo avô do código.
Madrugada, sonhavam grudados - costas na parede, cada um em seu quarto, cada um dentro de um corpo e alma, uma só.
Seria assim até anunciarem mudança. Um para cada lado.
Ele, os pais levariam para o Boqueirão.
Ela, a mãe, agora viúva, voltaria a morar na Lapa,com os próprios pais.
Lonjura tanta, tanta dor.
Saudade escrita em cartinhas que ele rabiscava aos garranchos e ela desenhava redondinhos "as".
Saudade ia sumindo. Gente nova ia surgindo.
A Lapa, modorrenta no verão, no inverno se safava, ventos frios e geada.
Ela gostava. E agora, no colégio das freiras, usava saia plissada.
Domingo ia ao morro do monge. Amigos, primos. Entre eles, um rapazinho que viera para ser soldado lá no quartel, entrada da cidade.
Assim, aos poucos ela se esquecia, do amor eterno, quem diria...
O menino, no Boqueirão, pulava valetas e jogava pião. Bicicleta ainda não tinha,mas um patinete construiu sozinho. Ia para lá e para cá.
Um dia, viu uma moreninha, tranças grossas, pretas luzidias, enfeitadas com uma fita cor de rosa.
Não era amor, não era nada. Era uma dor na boca do estômago. Ela, mocinha, em nada parecia com aquela que havia sido dona de suas juras de amor.
Ficaram no bangalô umas esperanças arredias, aqueles sonhos de criança, um amor sem medida. E as mensagens trocadas, rosto grudado na parede, em código Morse, que o avô ensinou.