Por essas bandas de cá
Confesso que tive realmente que desacelerar um pouco aquele instante de vida pra sentir o contraste que aquela visão gerava em mim. Afinal, nesse nosso cotidiano tão automático, com essa banalização do horror e exaltação do trivial, uma cena assim passa despercebida à grande maioria dos olhos por mais sensíveis que sejam.
Quando dei a devida atenção à imagem, mentalizei-a imortalizada numa daquelas telas renascentistas para que pudesse ser exposta em famosas galerias e assim, o “lado A” do mundo pudesse admirar uma imagem tão comum por essas bandas de cá, mas que quase ninguém percebe.
Aqueles ralos cabelos grisalhos que pouco apareciam sob o lenço amarelado de sol. Aqueles pés rachados, cansados de pisar nas pedras da vida e trilhar léguas de lutas intermináveis. A pele dos braços já fina, mas as mãos marcadas por inúmeros calos secos. Mãos que ela nem precisa usar para equilibrar o enorme e aparentemente pesado feixe de lenhas que leva sobre o lenço na cabeça. Ao seu lado, descalço, sem camisa, com um calção rasgado, o menino que não tem mais que oito anos faz pose de forte tentando imitar a avó guerreira, e vai levando também a quantidade de gravetos que seus pequenos braços podem carregar.
O sol, cá por esses lados não costuma aliviar pra ninguém, nem pra idoso nem pra criança. E quando o suor escorre pelo rosto é sinal de que é preciso dar uma trégua aos corpos muito desgastados e também aos que quase nada viveram. E ali, quando se sentam debaixo de uma sombra qualquer, a velha acende um cachimbo surrado e o menino faz desenhos na terra seca com um pedaço de pau. Justo esse momento deveria ser retratado por algum gênio da pintura. Não havia cara de vítima, não havia cara de sofrimento, só me parecia esperança em algo indefinível. Aquele momento de descanso dos dois me parecia ser um dos poucos por dia em que o menino voltava a ser menino e a senhora idosa voltava a ser uma senhora idosa. Se isso não merece um quadro, talvez ao menos um poema.
Como eu não sei pintar nem sou poeta, só olho e sigo meu caminho...