SAIONARA

CONTOS que não ganharam concurso, mas também não foram lidos por comissão julgadora. (Do início dos nos 80: os originais estão datilografados)

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Casara-se nos seus quinze anos, virgem até nos pensamentos, conhecia o cate-cismo de cor. Dos homens, vira uma diferença, aquela coisinha pequetitinha, dedo mindinho no lugar errado, de fazer xixi do seu irmão caçulinha, sempre bundinha de fora. Namorou sob os olhares severos do pai, pegando na mão apenas para um boa noite demorado. Nunca perdera missa e a cada confissão o padre reservava seu espírito para os filhos, os caminhos, e, principalmente, para a obediência ao marido e ao catecismo.

Após o enlace, a união de corpos não se deu. Taurus, garanhão afamado de brin-car com menininhas no pasto, não quis esperar a noite. Não poderia imaginar a cabritinha correria assustada quando o visse sobressaindo dos pelos.

- Qui é íss, fia? Vorta pro seu marido.

- Vô não, mãe. Ele ´tá furioso... ´Tá lá, sem roupas, no mei´ da sala.

Taurus não quis correr atrás dela. A vergonha de procurá-la sob a saia materna logo no primeiro dia de manchar os lençóis o fez esperar o sossego da noite. A sogra, Nhá Nhá, injuriada; assustara a pobre menina e não viera apanhá-la e lhe pôr o cabresto. Saionara dormia. O sogro cochilava no varandão, com a espingarda ao alcance de qual-quer movimento suspeito. Quis entrar sem cumprimentá-lo.

- Humm! - o velho gemeu

Taurus nada disse e entrou. Nhá Nhá tentava enfiar agulha, à luz de lampião.

- ´Cê veio, né?

- É, mãe. Vim buscá Saionara.

- Quê ´cê prontô?

- Eu? Nada. Nada não, mãe. Cheguei em casa e fui fazer minhas obrigação de marido.

- Sem jeito, né?

- Cum jeito, mãe. Só num sabia quiela ia corrê.

- Respeita ela, minino. Ela num sabe nada dessas coisa da vida. Nóis avisô, pres-sa de casá, pra quê? ´Cês num quisisperá. Nem bem ela teve a primera lua, quisero casá. Vai, vai, leva ela, vai! Óia bem se aprendeu, tem disperá a natureza.

Taurus tomou-a nos braços, dormindo a sono solto. Em casa, brincou nas suas coxas, cuidando para não acordá-la. Dia seguinte, cedinho, foi para a roça; Saionara foi para as arrumações e, á tarde, o tempo andando devagar, passeou na casa da mãe.

- Bom dia, fia. Quê papelão, hem? Tem di recebê seu ôme. Vô inté ti dizê uma-cois qui num falei nem pras suas irmã: qui é bom, é, fia.

- Ih! Mãe. Cunversa boba, credo!

Quando chegou em casa, de tardinha, encontrou o marido na cama.

- Ué, Tau, ´tá de cama, ´tá doente?

- Tô, Nara. Vem me dá um chazim, vem!

Saionara dobrou-se sobre a cama e assuntou sua testa.

- ´Tá cum febre não, Tau.

- Num ´tô, mais vô ficá. Deitaqui cumigo, só um tiquim.

Ajeitando-se no leito, arrumando os panos, foi um susto quando a mão tropeçou naquela coisa. Percebendo-o nu, desandou a correr. Parou no meio das vacas. Escutava-o gritando:

- Nara! Naaara! Naaá raaá! Ô Naragente! Vem!

Ainda uma terceira vez tentou e Saionara correu. A mãe a mandou para a casa da tia, afamada de ter amantes, coisas que as crianças não sabiam.Taurus foi buscar.

- ´Cê deixa ela dormi aqui hoje, amanhã ela ´tá pronta, eu agaranto.

Aceitou a cama na sala:

- ´Cê intende, minina, as cama do quarto de recebê visita ´tá cum remédio... Deu bicho. Aqui ´tá limpim, cheirosim, ´cê vai gostá.

Quando já pelas tantas, acordou com homem na sala. Arrumou bem os olhos para enxergar no escuro. Não era seu tio, estava viajando; era Nhô Tércio. Ficou quietinha. Viu a tia puxá-lo para dentro do quarto pedindo psiu. Fingiu dormir. Com um tiquinho de tempo a tia estava flutuando numa barulheira danada. Uma porção de palavras bonitas brotava da boca dela, tava no maior cio. Ela brincava com aquilo do qual correra. Ela lambia e se deixava lamber. Os dois riam. A tia montada de cavalinho em cima dele, sobe e desce, sobe e desce. Trocam as posições. Nhô Tércio pelado sobe e desce, sobe e desce, cada vez mais rápido, até, em gemidos, ficarem quietos.

Saionara sentiu-se molhada. Chii! Chi!, o vestido estava seco, não era. A tia ge-mia desfalecida. O homem disse “´té mais vê” e saiu. Saionara deu um suspiro, deixando-se dormir logo.

Tomava, pela manhã, café com broa e não pode deixar de falar da noite.

- Qui vergonha, tia! Vi tudo! Num tem respeito do tio?

- Qui ´tá falano, minina?

- Eu vi!

- Viu o quê?

- Vi!

- Ora, ´cê num fala o qui viu, eu num posso dizê nada.

Saionara conta, tintim por tintim, tudo o que vira, mais algumas coisas que ima-ginara. A tia subiu nas tamancas:

- Ora, onde já se viu! Confundindo as coisa! Isto é no qui se dá: casa, foge do marido, fica com a natureza arribitada, sonha, sonha, sonha, e vem falar mal de mim! Dentro da minha casa! Ora, pois sim!

Saionara ficou sem fala no primeiro momento. Tentou lembrar. Era Nhô Tércio ou Tau que estava na cama da tia? Ou era a tia que estava falando Tau, Tautau?

- A sinhora me adiscurpe, tia.

- Ora, flôzinha, eu também fico assim quando seu tio viaja. Vai pro seu maridi-nho, vai - tomou-lhe as mãos no peito - se você prometê, eu num tenho zanga do seu sonho. Promete pra mim, promete.

Taurus veio pra casa sem graça. Três noites e a mulher ainda virgem; pior, dor-mira fora. Entrou, sentou e nem escutou o canto alegre vindo da cozinha. Querendo esquecer tudo, não presta, também, atenção ao cheirinho que andava pela casa.

- Ué! ´Cê já chegô - deu-lhe um beijo na testa - vô buscá seu bãinzim... Vem! - puxou-o pela mão.

Sobre a cama, seu pijama; no canto, a bacia; de um lado a lata de água fria e no chão o caneco.

- Pera´í - Saionara voltou com a chaleira fumegante.

Ajudou-o a temperar a água. Taurus ficou indeciso:

- Uai, ´cê num vai saí?

Saionara baixou a cabeça. Ele se despiu, entrou na bacia dando-lhe as costas. Saionara rodeava, ele virava. Saionara ficou, ali, muda atrás dele. Taurus se ensaboou e se enxaguou, sem se virar. Quando pediu a toalha, Saionara lhe entregou o vestido com sua calçola. Taurus, inibido, puxou-a e elogiou:

- ´Cê tá bem apanhada, muié!

Tomou-a no colo e na cama. Nem quis saber o que se dera na casa da tia. Agora ela parecia uma sirigaita. Gemia, ria, galopava em cima dele, sobe e desce, sobe e desce. Deixou aquilo se dar com a menina encantada, e no rela-rela percebeu sua bica dando água, então pediu:

- Deixa ele cum ela?

- Cumé? - Saionara olhou-o apatetada.

Taurus mostrou e ela se pôs a rir rios de risadas felizes, falou palavras bonitas. Mordia seus lábios e seus dedos. Mordia-lhe os ombros. Deixou Taurus em cima dela, e Taurus foi, e voltou, vem mais, e Taurus foi e veio, até que gemeu e caiu deitado; ela, então, caiu do lado gemendo como vira a tia fazer. Quando parou de gemer, pensou que era pecado e rezou.

E assim passaram a serem as noites de todos os dias, que iniciavam de madruga-dinha na missa e continuavam na arrumação da casa. O marido a queria muito recatada, que não passasse perto de cachorro amarrado em cadela no cio. Ela obedecia, não saía de casa nas épocas de cobertura no pasto. Evitava a tia com suas anedotas picantes, e as irmãs com as conversas de como eram seus maridos nas suas camas. O marido mandava ela obedecia. Faltou à missa por terem brincado a noite toda, ela se entregava a ele pelo prazer que sentia, e pedia mais, e mais; descansava um pouquinho e pedia mais...

Á noite, se transformava. Ao vê-lo chegando, já começava a juntar águas para o banho de amor. Tinha vez que ele pedia arrego:

- Hoje não, Nara.

Então, ela se fazia de amuada, apertava-lhe os mamilos, molhava os dedos nas águas de sua fonte e lhe coçava os bigodes. O homem não resistia.

A vida tem, também, rodas dentadas e uma delas levou Taurus para sempre. Três anos de noites plenas se explodiam em luto. Nem tanto lhe fazia falta o marido durante o dia, roçava. As noites ficaram vaziamente intermináveis, sem mãos, sem dedos, sem bigodes, e sem mais nada. Nada. Noites vazias de viúva ainda enxutinha, que a saudade molhava toda noite. Chegou a flertar com alguém, mas o medo do pecado a arredou para dentro de casa, para os trabalhos na igreja, as procissões. Depois vieram os sonhos. Via Taurus e sentia seu corpo. Acordava suada, ajoelhava-se e rezava. Ás vezes, sonhando-se cadela, vagava pela casa quase a noite toda, resmungando, até que, vencida pelo cansaço, adormecia e recebia Taurus como o cão danado. Durante o dia, sem paciência com os filhos, que estão perdidos dentro de casa. Saionara se vê chorando pelos cantos, e, de vez em quando, escutam-na pedindo perdão, pecados por pensamento. E reza, ora como reza. As noites sempre voltam com aquelas coisas no corpo, os peitos se es-quentando e ficando gelados. Suspiros, um comichão nas partes que não mais tem Fim. De dia mortifica-se por ter recebido o cão danado.

- Vó, qui dia mãe vorta pra casa?

- Num sei, fio. Inda demora.

- Cadê mãe, vó?

- Foi viajá, um dia vorta.

- ´Cê boba, võ... mãe foi pr’ospício de tanto vê santa!

- Qui ´tá falano, minino! ´Cê num sabe di nada! Corre daqui!

Recebeu alta jururu. Foi de jardineira para sua estrada de terra. A viagem mais demorada da vida, apertada de xixi, não teve coragem de parar em nenhuma privada de estrada. Em sua terrinha, enquanto esperava que a buscassem de charrete, ficou ansiosa vendo o tempo arder em seu peito. Lá vinha Nhá Nhá com Nhô Tércio e o caçulinha. Nhô Tércio tinha obrigação a fazer.

- Nóis vai ´tê de passá na quitanda, Nhá Nhá, adispois no banco, aí vamo na Cas’da Lavoura, adispois a gente apanha a sua fia, e adispois a gente vorta.

Param perto de Saionara que lhes veio ao encontro com um sorriso falso arru-mado na hora. Nhá Nhá viu a aflição em seu rosto e foi avisando:

- Temo coisa pra fazê na rua, num vamo demorá não, fia

Saionara deu um muxoxo, amarrou a cara, viu Tau em Nhô Tércio. Cruzou os braços e foi enfática:

- Eu ispero aqui! Na hora de í, me pega.

Nhô Tércio, que entrara no boteco pr’uma pinguinha, chega, vê o menino enra-bichado na saia da avó, coça a cabeça. Vira-se para Saionara, querendo ser agradável:

- ´Cê ´tá bem apanhada! - Ela se mexe por dentro.

O menino choraminga, Nhô Tércio não gosta, pra quê o menino vir? O menino chora. Nhá Nhá se irrita. Nhô Tércio coça a cabeça e diz para Nhá Nhá, mas olhando nos olhos nele grudados de Saionara, meio pedindo, meio mandando.

- Deixa ele cum ela?

Saionara fica cega, a boca perde o cuspe, os olhos flamejam, as mãos se crispam. Nhô Tércio a abraça:

- Tá passano mal?

Saionara sai de dentro de si, arrebentando, explodindo, rasgando. Junta gente. Saionara grita e se benze. O guardinha vem correndo, de longe é homem batendo em mulher.

- ´Tá todo mundo in cana!

Nhá Nhá quer explicar. Nhô Tércio, limpando as arranhaduras no rosto, quer falar. O guarda é autoritário:

- Expricação é pro sinhô delegado!

As coisas bem postas. O delegado entende. Pedidas as desculpas a Tércio, libera todo mundo. Saionara lhe põe os rabos dos olhos. Volta para as missas, pras obras de caridade, entrega-se às preocupações com os filhos, mantém a casa um brinco, exceto...

Apesar de toda a fartura na roça, deu para comprar verduras na cidade. Ficava tempo escolhendo cenouras, graúdas, enceradinhas, pontas rombas. Escolhia, trocava, media, cheirava e se continha para não mordê-las. Ninguém sabe o que pensava. Num sábado, chegou e as cenouras estavam ocupadas com uma mulher de perfumes baratos, roupas insinuantes, uma mundana daquelas casas lá de baixo. Saionara procurou as ba-nanas e ficou a olhar. Como a mulher demorasse, arrancou uma banana da penca, e, vendo a mulher alisando cenouras para escolher, de repente, apertou a mão com força, rompendo a casca da fruta e dá solavancos na banca que treme, treme, quase vai ao chão. A mulher vê o barulho das coisas e sorri para Saionara, que pula em seu pescoço, rasga-lhe o vestido, joga-a sobre as cenouras. Ruge, muge, grunhe, não consegue dizer palavra. O quitandeiro tenta separar, recebe um tabefe. Chama o guardinha. Lá está Sai-onara em frente ao delegado, na cadeia vazia.

- Dona Diana, a senhora aqui?

- Esta mulher, seu delegado, esta mulher está trepando em pé de cana!

- Tenho ficado de olho nela, Dona Diana - e completou - a senhora sabe destas coisas. Pode deixar, pode deixar, vai embora, vai... Eu ajudo ela trepar.

Gilberto Profeta
Enviado por Gilberto Profeta em 09/08/2015
Código do texto: T5339989
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