Fim

Era uma manhã cinza de inverno. Ele se levantou da cama e se dirigiu à janela. Meteu a parte de cima de seu corpo naquele buraco e olhou o céu. Estava Cinza. Mas, por algum motivo, não era o cinza costumeiro das manhãs de inverno, com a neblina baixa, um cinza-branco. Olhou caído ao chão do quarto, vestiu a camisa que ainda cheirava a bebida. Calçou os chinelos e tomou a escada, nem se deu ao trabalho de sorver seu café e mastigar seu pão, ritual que praticava com ortodoxia.

Saiu à rua, olhou o céu. Era um cinza, um forte cinza. Um cinza quase preto, que só não era preto por conta dos parcos raios de luz solar que atravessavam aquelas densas nuvens. Pensou consigo – Deus, será que no acalento da bebida, acabou-se o mundo e eu não vi? – O mundo não se acabara, ao menos não para aqueles outros que tomavam a rua junto a ele, sussurrando palavras inaudíveis aos que os ladeavam, olhando desesperadamente para o céu que estava sobre eles.

Era o fim? Ele não sabia. Nunca fora afeito as religiões, a não ser pelo uso costumeiro dos nomes das divindades em situações de espanto ou qualquer outra que lhe perturbasse as emoções. Nesse momento, talvez, poderia apelar a Igreja para confortar a alma. Mas não. Era o fim, sem deus nenhum para lhe dar o conforto necessário nesse duro momento.

Pensava em coisas que não fizera na vida, na Aninha que que tinha os cabelos cheirosos, nas férias só de mochila nas costas que ele não tirou, nas palavras que não disse, nos cus que não mandou alguns irem tomar e nos abraços que não deu.

Agora era tarde, o mundo estava acabando. Seu fim finalmente chegara. Olhou novamente para o céu e aquela massa cinzenta se aproximava lentamente. O que fazer nessa situação? Pensou em pedir algumas desculpas, mas de que adiantaria? Estariam todos mortos dentro de alguns momentos, seria um breve estar bem consigo mesmo. Pensou em procurar algo que lhe desse felicidade, ainda que apenas até o chegar iminente da morte. Mas nada lhe veio à mente. Pensou em fazer tudo diferente, se lhe fosse possível.

Acordou, foi trabalhar e fez tudo como sempre fizera...