As Nuvens
As Nuvens
Eu olho sempre para o céu e imagino mais que nuvens pairando. Essa sempre fora à velha e boa forma de fazer o tempo passar: olhar as nuvens! Sinto-me profundamente atraída por elas. E foi justamente contemplando-as que eu mudei a minha vida inteira e tudo que eu havia traçado nela.
Estava eu deitada num grande campo, às oito da manhã – este sempre fora o melhor horário para a minha imaginação –, de uma quarta-feira e eu, bem tensa, senti que algo me apertava o coração deixando-o do tamanho de um grão de areia. Detesto essa sensação de vulnerabilidade, e por detestá-la fui me distrair com as nuvens. Minha vontade naquela manhã era de ficar leve, e bem maleável quanto as minhas admiradas.
Passaram-se as horas. Permaneci na mesma posição sob a sombra sutil de uma árvore, tendo a cabeça apoiada hora pelas mãos e hora pelo par de tênis abandonados pelos pés. Pus a Imaginar tudo aquilo que uma mente poderia imaginar: gatos, patos na lagoa, sorvetes, flores e até ornitorrincos saltitantes. E ainda obtive o alívio esperado realizando essa boba ação. Levantei-me e caminhei em direção a lugar nenhum, simplesmente havia o desejo de não ter rumo. Por um dia apenas eu não queria dar rumo ao meu itinerário.
Sempre tive muito medo das mudanças, mas me deixei ser o reflexo das nuvens nesse dia. Elas eram tão livres, estavam tão alto, moviam-se conforme o vento e uniam-se por intermédio dele apenas. Era isso que eu invejava. Não queria mais temer o dia de amanhã. E ter sempre a minha conduta me sussurrando a racionalidade, quando, no entanto, eu queria a loucura; queria experimentar um mergulho intenso no desconhecido. Quando, em meio aos devaneios, vi que havia alguém deitado no campo observando as nuvens como eu fizera minutos atrás. Fiquei analisando a cena. Era como se aquele individuo pensasse como eu, e usasse as nuvens como uma válvula de escape.
Cheguei mais perto e como se fosse velha conhecida deitei-me ao lado para observar também. Ela era uma linda garota! Tinha pele rosada, lábios finos, um nariz pequenino e razoavelmente afilado. Não era uma beleza comum, era fora dos padrões convencionais. E lá estava eu, bem ao lado. Ela olhava as nuvens e eu a olhava ficar tão imersa no azul, que parecia estar narcotizada. E sem que eu esperasse, a linda moça disse, ainda olhando o céu:
- As nuvens ficam um pouco mais acima, não?
- Ãh? O quê? – disse eu ruborizada e sem raciocinar nada.
- Pensei que de tanto eu olhar nuvens às pessoas já estavam vendo nuvens em mim! – disse soltando um risinho no canto da boca, como se dissesse na verdade: te peguei no flagra olhando pra mim!
Ela sentou-se e eu pude ver seus olhos bem de perto. Como eram lindos aqueles olhos num conjunto não menos. Eles eram mágicos. Totalmente angelicais, e quando ela falava-me sobre astros; estrelas; universo, eu só entendia que aqueles olhos me prendiam ao resto. Num ímpeto, levantei-me do campo, e a dona do incrível olhar – que atendia pelo nome de Sofia – me seguiu. Saímos andando pelo parque conversando coisas banais, e as nuvens que haviam nos unido já não tinham mais a nossa mínima atenção.
- Vamos para a minha casa? Fica a alguns metros daqui. – falou Sofia com mansa voz.
- Sim, vamos! – Respondi sem demora alguma.
Chegando a casa dela, eu não pude deixar de reparar na sutil decoração. Um misto de místico-artesanal e modernidade. Cheirava a incenso de flor-de-lótus (não tenho certeza, mas o cheiro me remeteu a isso). Ela segurou minha mão e me puxou para um sofá, que mais parecia um pufe gigante, sentou-se numa mesinha de centro na minha frente, continuou a conversar animadamente e olhando nos meus olhos. Foi quando Sofia levou uma das mãos a minha face. Tocou minhas pálpebras, as maçãs do meu rosto e os meus lábios tão suavemente que meu corpo tremeu devagar. Minhas mãos estavam congeladas.
Se ela era meio louca eu não sabia, mas meus sentidos diziam para não fazê-la parar. Ela tinha olhos hipnotizantes e havia também, entre nós, aquele silêncio que falava mais que qualquer palavra. Lembrei que ao acordar eu havia prometido pra mim que não daria rumo ao meu itinerário, deixaria tudo por conta do acaso. E o acaso estava me levando tão rapidamente para uma grande loucura; para o avesso de todas as coisas que eu julgava serem certas. Mas do que eu estava reclamando? Não era a loucura que eu queria? Pensei. Aquela era à hora de cumprir a promessa! Eu estava preste a entregar meus desejos aos desejos de outra garota.
Ela tocava meus lábios com a ponta dos seus dedos e eu me perdia a cada toque. Levei minhas mãos a sua nuca e, num suspiro contido, ela aproximou seus finos lábios aos meus, tão carinhosamente. E o que eu poderia fazer diante dessa situação irresistível? Agarrei-a e a beijei como nunca havia beijado antes. Minhas mãos deslizavam naquela pele branca, enquanto minha mente viajava sem rumo em meio aos acontecimentos. Beijos percorriam a pele quente e ao longe se ouvia o som dos pássaros. Achei que era melhor não pensar em nada.
Não lembro quanto tempo ficamos lá. Eu adormeci e quando acordei a luz que invadia o ambiente era muito intensa, quase insuportável. Olhei, meio cega, o relógio e vi que à tarde já estava indo com o sol. Dei um tímido pulo da cama e fui procurar Sofia. Ela não estava em lugar algum, só restavam os incensos que exalavam o perfume dela. Eu não pretendia ficar, mas também queria mais partir, e ter que voltar para as mesmas pessoas hipócritas que me aguardavam. Achei bom Sofia não estar, talvez se a visse novamente, eu poderia nunca mais querer ir. Vesti minhas roupas, peguei minhas coisas e fui para casa. Abri a porta, e vi a mesma cena que vejo há 21 anos: minha mãe vendo novela, meu pai lendo um jornal que parece nunca acabar, minha irmã ao telefone com um namorado que ninguém nunca viu o rosto. Passei direto, sem sequer cumprimentá-los. Entrei no quarto, fiz as malas, peguei minhas economias no banco e fui embora para onde o vento quisesse me levar.
Sofia? Ficou com seus incensos, sua beleza e doçura na minha lembrança, como alguém que me fez um grande bem em um momento muito curto, mas imensamente significativo dentro do meu coração. Eu nunca teria me desprendido da ilusão que vivia se não fosse por ela. Talvez Sofia não entenda de prima essa minha atitude, mas tenho certeza de que quando ela for contemplar as nuvens novamente, entenderá que eu apenas me espelhei nelas...
Íris Helena