Uma rua chamada saudade
Hoje que os pés se cansaram e a alma sossegou, (há muito deixei de viajar feito cigano ou vagar feito judeu errante) posso contar histórias chamadas: "Quando aqui cheguei" e falar do lirismo do meu bairro, contar histórias da minha rua.Ficava ali... Espremida entre a ladeira Augusto dos Anjos e a rua Castro Alves...nem parecia uma rua ...não era inteira ou comprida como as outras ruas...Havia uma peroba na esquina que se vestia de rosa por semanas a fio e em certas manhãs de inverno se despia e mostrava com certa timidez seus galhos nus....e eu rezava para que viesse outra vez o tempo da florada para ver o chão em volta coberto pelo tapete rosa...Nesse campo de concreto onde pousam e alçam voos esses enormes pássaros de metal, era um largo descampado sob um céu infinito e azul,onde os meninos da rua empinavam suas pipas coloridas...e essa imensa avenida por onde passam apressadas essas máquinas velozes,era nossa antiga área de lazer demarcada por galhos de goiabeira, e nas noites de calor,nosso refúgio nas brincadeiras de queimada,roda e pique esconde...Onde hoje se vê muros altos rabiscados, eram lindas cercas vivas de hibisco.Assim era o meu bairro,assim era a minha rua...E nela,as luzes dos postes de madeira eram de um lilás triste e faziam tristes os rostos das pessoas que por ali passavam...Ora um casal de namorados de mãos dadas,ora umas carolas com seus mantos negros a caminho da matriz....e quando passavam as procissões,a ruazinha era o atalho para a igrejinha...Havia também a louca do jardim que por ali passava todas as noites,muita alta ,branca e magra,com seu rosto amarelado iluminado pela luz lilás dos postes,cantando a sua cantiga sem fim 'lua hoje eu vivo tão sozinha..."Numa noite ela entrou porta adentro e eu menina ainda pequena,quase morro do susto...Passava por ali em noites de lua a caminho da pracinha onde dava voltas e mais voltas ao redor do chafariz cantando a sua cantiga sem fim ...E em tardes caladas,sob a soalheira,com seu blem blem blem vinha o vendedor de quebra queixo,o menino do pirulito de açúcar e bem antes,ao nascer do dia,passava o leiteiro cujo pregão se misturava ao do vendedor de pão na madrugada fria...E eu encolhida na minha cama quentinha,ouvia quando minha mãe se levantava ,atendia os dois e depois se deitava... Assim se passavam os dias e as noites na minha ruazinha...depois vieram os homens com suas fardas cinzentas derrubaram a peroba rosa,espantaram os passarinhos,desmancharam seus ninhos e cobriram de concreto nossos sonhos mais risonhos...Mas eu guardei na memória cada palmo dessa rua que hoje só existe na lembrança...Uma rua linda,enfeitada de flores,perfumada de puro lírio,rua sem dono,sem nada...só nossa...Rua Casimiro de Abreu...Uma rua chamada saudade!
Agnes Flores