A Enfermeira & O Prefeito [CAPÍTULO 05]

O Desvairo

É inevitável dizer, ainda que vá contra os predicados morais do ser humano, que o estado mais engenhoso em que pode se encontrar o cérebro é com as ondas do ódio refulgindo pelas vias das emoções. A lembrança estética efervesce ao ponto de ebulição; e a criatividade ronda o pensamento com os princípios mais sádicos de nossa espécie.

Sendo o parágrafo acima somente premissa, devo ressaltar-lhe e traduzir o tal sentido em uma cena. E era uma tarde embotada, em que as portas do aparatoso gabinete abrem-se e surge uma figura totalmente extravagante e chamativa. Revolvendo a atenção até mesmo da sonsa secretária.

Surge uma silhueta colorida. Com o macacão azul, as mangas brancas listradas em vermelho, uma peruca de um bolote de cabelos amarelos e um gordo nariz de palhaço. Tudo isto cobria a epiderme de uma mulher mulata.

Ela dirigiu-se para a bancada, com os olhares daqueles que ficaram embatucados com tamanha explosão de delinquência.

- Olá minha querida! Não ponha reparo, mas diga ao senhor prefeito, que tenho uma surpresa para ele.

E a secretária, com os óculos caídos pelo nariz, a boca perplexa e os olhos estáticos, somente continuou a observar aquele perfil cômico.

- Está surda é?! – E a mulher despertou de súbito. – Pega esse fone e diz para esse patife que a Morgana tem uma surpresa.

E a recepcionista, toda embasbacada, tal como o resto do saguão, retirou o o fone do gancho sem desviar por um instante o olhar de Morgana.

- Senhor prefeito. – Dizia, com a voz quase a lhe faltar. – A Dona Morgana está aqui.

E a mulher vestida de palhaço começou uma série de ademanes, como que se fosse desferir contra a secretária, caso ela não dissesse exatamente como havia lhe ordenado.

- Mas senhor, ela diz que tem surpresa.

E então foi dado a entender que o fabuloso prefeito lhe havia permitido passagem, depois dessa informação. E isto fica claro quando temos a noção da mente de um escroque, que tem a faculdade de observar cada detalhe que lhe traga um único centavo fraudulento.

E fora permitida a passagem, desfilou com prepotência e sarcasmo para o interior do gabiente, fazendo dilatar as pupilas de quem lhe visse com tamanha extroversão. E pouco lhe importou. Desviou o olhar para a secretária lateral e lhe desejou uma execelente tarde, assustando de vez a mulher, que estremeceu de súbito.

Assim que entrou à sala, Morgana deu de frente com olhos afundados e assanhados, que rapidamente aturdiram-se ao ver a vestimenta daquela jabiraca e o que aquela metáfora humana representava.

- Mas... O que é isso uai?! – Exclamou, com os olhos cheios de medo.

- Ah digníssimo prefeito! Não te assuste, pois estou somente representando os figurantes do nosso país.

- Como é? Morgana... Está vindo de algum teatro ou atividade voluntária?

- Sim, claro! Este é o figurino da minha peça.

- E representa um palhaço... – Disse o prefeito, já debochando, e lhe apontava o dedo, como que para indicar o quão ridículo era seu papel.

- Aí é que se engana. Palhaça eu já fui, mas agora você pode é me chamar de CAPETA!

E desembestou a Morgana a fazer voar toda documentação, pastas, portefólios, latas, canetas e tudo de mais que havia acima da mesa. Jogando à direção do político charlatão e disparando-lhe mil xingamentos de baixíssimo calão; e ao meio desse desvairo, esfregando-lhe às belfas todo o papel de panaca ao qual a pobre mulher teve de se prestar. Não bastando, toda a conduta perversa que tivera até o presente momento com um hospital que era de suma importância para doentes daquela região, e a triste prova foram as vidas perdidas que seus olhos tiveram de testemunhar. E ao meio de todo o desatino, o velho biltre encolhia-se na cadeira giratória, quase entrando de vez no arquivo de ferro.

- JÁ CANSEI DE GENTE DA TUA LAIA! SEM VERGONHA! É VAGABUNDO QUE DEIXA FALTAR ÁGUA! É SAFADA QUE ESTÁ FAZENDO O PAÍS ENCOLHER! VÃO TODOS PARA O INFERNO!

E com toda a parafernália, não é de se estranhar que logo chegasse uma trupi de seguranças para deterem a doida varrida vestida de palhaço. Pois, ainda Morgana, já presa, disparava cobras e lagartos, quando o prefeito, já vendo-se a salvo, surgiu à frente do perfil esbaforido da moça. Com um riso pútrido, disse-lhe:

- Minha filha, quer o que mais? Acha que vai mudar alguma coisa? Existe um sistema que todos devem seguir.

- Uma ova! Eu quero que você tire esse teu traseiro gordo da cadeira e vá cumprir com a tua obrigação com essa cidade! Pra Copa do Mundo foi uma beleza! E para ajduar pessoas?! MALDIÇÃO! CORRUPTO! SANTARRÃO DOS DIABOS!

- Morgana, mas que equívoco em falar de Copa. Por acaso já foi dito que Copa do Mundo não se faz com hospitais, não é mesmo? Deveria escutar mais o que diz em nossos ídolos, a televisão nunca mente.

Este foi o fogo do rastilho. Não suportou Morgana esta analogia cínica, junto com uma demagogia nojenta. A mulher puxou um punhado de saliva e escarrou bem ao meio do nariz daquele vigarista.

Dessa forma, foi detida.

Vinícius Thadeu
Enviado por Vinícius Thadeu em 22/07/2015
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