842-CHOQUE DE CARROS -

Vida feita por conta de herança paterna, sem preocupações, Galdeano Rodrigo passa a vida dentro de carros. Sempre está dirigindo o melhor, maior e mais famoso carro que existe à venda. E gosta de viajar. Conhece o Brasil de ponta a ponta, se aventurou pelas rodovias dos países Andinos.

É, sem dúvida, um bom motorista e disto se orgulha. Mais do que isso, valente como todo gaucho, gosta de testar a capacidade dos carros em rodovias. Sorte é que nunca foi flagrado em seus excessos de velocidade, e sorte maior é que jamais bebe antes de dirigir.

Esta história data de quando ele ia de Belo Horizonte para Uberlândia, numa estrada razoavelmente boa, que a sua Ferrari 555 engolia rapidamente a mais de trezentos quilometro em certos trechos.

Uma boa reta para testar o carro, pensou,afundando o pé no acelerador.

Mas o destino o esperava para antes que chegasse ao final da reta.

Por uma estrada vicinal, de terra, vem Chico Preá dentro de seu Fusca Azul, levantando a poeira vermelha por entre cafezais. Dirigia-se para a mesma rodovia onde transitava a Ferrari de Galdeano. De fosse possível uma tomada aérea dos dois veículos, poderia se ver que os dois carros estavam em rota de colisão

Galdeano Não viu a chegada do fusquinha na rodovia, entrando direto num ângulo reto, como se propositadamente querendo topar com a Ferrari. Ele sentiu apenas uma leve pancada e um movimento de seu carro para a esquerda.

Acho que peguei algum bicho, pensou, ao mesmo tempo em que acertava a direção e freava para ver o que havia acontecido.

Chico Preá, distraído como todo bom mineiro, entrou na rodovia a uns míseros cinco quilômetros e nem percebeu a chegada da Ferrari. Apenas um vulto vermelho na sua frente e um barulho de lataria amassada. Foi arremessado com violência para o acostamento, a uns vinte ou trinta metros de distância.

Quando deu de si, abriu a porta do fusca e já encontrou à sua frente um gigante de bombachas, que foi gritando:

— BAH!!! TCHÊ!!! Não olhas por onde andas? Venha ver o que fizeste na minha flamante Ferrari! Vais ter que me pagar pelo conserto!

— Uai, sô, mais que foi qui eu fiz?

— Venha ver o estrago na minha Ferrari nova! Custou-me mais de meio milhão de reais!

Antes de atender o gaúcho, ele verificou que a frente do seu Fusca estava toda arrebentada.

— Uai, sô, o sinhor me pegou assim sem mais nem menos e inda vou ter que ti pagar? — e voltou pra dentro do carro, tirando uma garrafa de cachaça e um copinho.

— Vamo ver o carro do sinhor. Mais o sinhor ta muito nervoso, meiór tomar aqui um traguinho desta caninha, prá se acarmá.

O Gaucho tomou o primeiro trago. E foram ver a situação da Ferrari.

— Uai, cumpadi, eu to vendo que foi só um arranhãozinho ai na ponta do pára-choque.

O gaucho ficou mais nervoso ainda.

— Tu sabes quanto te vai custar o conserto?

— Sei não, sô. Só sei que o sinhor ta muito nervoso. Toma outro traguinho pra se acarmá, mode nois poder chegar num acordo.

O Gaucho toma outro trago. Mas nada de se acalmar,

— Moço, carma. Tenha carma. O sinhor ta istressado! Vamo, tome outro golinho da marvada pra se acarmá.

E o gaucho tomou outro golinho.

E assim a coisa correu por bem uma meia hora: o gaucho nervoso, e o mineirinho oferecendo-lhe traguinhos para se acalmar. Até que o gaucho “se acalmou”, após ter ingerido, sozinho, mais de meia garrafa de cachaça oferecida pelo mineirinho,

— Bão, agora o sinhor ta mais Carmo? Podemo conversá sério?

O Gaucho, recostado no banco da Ferrari, a porta aberta, já não aguentando ficar de pé, concorda.

— Bem, tchê, vamos... vamos calcular o estrago do...hic...da minha Ferrari

— Bão, assim é qui se fala.

E tirando do bolso da calça um celular cheio de aplicativos, começou a fotografar os carros, e o gaucho, então caindo de bêbado.

E disse:

— Bão, agora vou telefoná pra puliça pra eles vim fazer a ocurrença.

Antonio ROQUE GOBBO

Belo Horizonte, 10 de maio de 2014.

CONTO # 842 DA SÉRIE 1.OOO HISTÓRIAS

Antonio Roque Gobbo
Enviado por Antonio Roque Gobbo em 16/07/2015
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