O vendedor de beiju e castanha
Ele veio arrastando sandálias e perguntou humildemente, Olá caro cliente: - O que prefere - Beiju ou castanha torrada ? Pensei nas duas opções: a primeira não seria agradável porque a mandioca fria podia contribuir para um sintoma de azia, e também sem saber qual recheio aquela iguaria trazia. Desse modo, preferi o segundo, 3 saquinhos de castanha por seis contos.
Não sabia que aquela venda daria um conto, mas enfim, deu. A castanha é o petisco perfeito, tem sabor adocicado e salgado ao mesmo tempo. Combina com café, chá de erva-doce, chá mate, suco de laranja, capuccino. Lembrei dos tempos de menino, quando inocente, apedrejava os frutos no cajueiro. As pedras passavam rente ao fruto e me dava um suspiro. Observava aquela cor avermelhada tão convidativa, então, não poderia sair dali no desejo.
Concentrava-me com decisão. Flexionava o braço e numa tacada dessa vez a pedra batia certeira no pedúnculo do almejado caju. Ajuntava uns 5 ou 6 já eram suficiente. Alguns vinham muito doces, outros azedo para caramba, numa compensação. O bom paladar cítrico do caju, fazia esquecer até do gosto da noda que ficava na boca. Um gosto anestésico e persistente. Voltei ao meu real. Lá estava o vendedor sorridente oferecendo o que a Natureza o ofereceu gratuita. Assim como eu, ele atirou algo para pegar o caju. Sua esperança era de que a Terra o sustentasse , suprisse sua feira, que ela torrasse sua castanha, sustentasse seu filho, amamentasse seus sonhos de ter sua casa e sua família com saúde. Que maravilha ! Quanta coisa a Terra nos dá sem contraprestação! O que era aquela humilde prata oferecida pela iguaria perante o que recebemos em troca ? O cajueiro não aborta flores, o agricultor não dorme até tarde, a Apis (abelha) visita seu fruto fiel e espalha os pós do amor, o solo não seca, a Mata distante e espaçada resiste e vegeta. O sonho do vendedor acerta e vinga... ele não dorme.
Aquele homem era um regionalista e resistente vendedor de recursos naturais, uma profissão justa. Seguramente ele se sentia um pouco desvalorizado porque não vendia pneus nem imóveis com margem de lucro alta. Intuitivamente, porém, ele sabia do quanto dependia daquela Terra. Quanto ela o tem suprido, e mesmo assim, nada cobrou, somente que continuasse ali a existir como essência do caju, como produto da castanha, como sabor de iguaria singular e regional.