Brinquedo de sereia
Tarde ensolarada, mas de manhã chovera aos cântaros. Quem vai convencer a criança que o parquinho está um charco? Brilho escuro, quente, o asfalto iluminado; poças d’água resistiam nos cantos da sarjeta; gramado em derredor: encharcado; o campo de terra do parquinho em si era quase todo um lago com ilhotas de terra úmida. E os balanços pairavam abandonados sobre outros charcos lamacentos: correntes orvalhadas e madeira entumecida de tanta água absorvida.
Encharcado, vinha também o rosto da menina. Longe, ouviu-se primeiro o choro. Sirene lactente, aguda, doída, doida, projeto de sereia que atrai o pai para as águas, para a resolução, a definição: brincar no balanço, porque está sol e você prometeu! Primeiro chegou o choro, argumento vencedor, irrefutável. Eloquência majestosa, sustentava-se mesmo após desbancar Ulisses e Ajax na disputa pela armadura de Aquiles. Em seguida, chegou o rosto exagerado de água, mais do que a chuva egeia que chovera cedo e, exceto pelo asfalto fumegante, resistia na grama e na areia do parquinho.
No gramado, o drible de sábado evitou a molhaceira. A esperança do pai residia na chegada à mureta do parquinho, na constatação da impossibilidade de alcançarem a seco o brinquedo. À borda do lago fantástico, a sirene persistia. A menina ergueu os braços reivindicando colo e o pai chegou até a pensar que era para voltar atrás, desistir. Entretanto, do promontório da segurança paterna, os olhos chorosos da sereia apontavam, resolutos, o balanço. Humilhado e sem forças para mais disputas, deixou o homem os chinelos na praia e entrou titânico oceano adentro na direção do balanço escolhido.
Ao sentá-la no brinquedo, o choro cessou instantaneamente. Posicionado por detrás, o pai puxou as correntes, que salpicaram os últimos resquícios de chuva na menina. Marolas redondas esquivavam-se do centro do oceano telúrico. Netuno jubilava-se. E ela, agora, era toda Sol.