Nojo do Nujol?
A aposentadoria, conquanto tardia, deu novo alento a Tia Vicentina. Ela havia dedicado quase quarenta anos de diuturno trabalho à Companhia de Tecidos Pitanguiense, a CTP, ou simplesmente, à 'fapa'.
Vivera com o mínimo, tanto salário quanto calvário, mas não se queixava pois outra forma não conhecia. Primogênita, tinha o seu quinhão na companhia da mãe e da irmandade solteira, composta de três outras irmãs mais um varão. Compartilhavam a casa própria adequada às suas necessidades, com quintal, um arremedo de horta, um jardinzinho, as galinhas, milho plantado na estação, tomavam três refeições diárias, muitas vezes entremeadas com um café com bolo ou biscoito no meio da tarde.
Iam à missa e as festas religiosas regularmente, e até já havia - Vicentina pelo menos que era mais dada às cousas mundanas - ido ao cinema na companhia dos sobrinhos, um ou outro passeio ao Pará de Minas pra visitar parentes, rezar na milagruta de Nossa Senhora, ver as piabinhas no poço da praça da estação, mais o luxo de tomar guaraná e comer sanduíche de pernil na rodoviária... Com pouco havia de vir a televisão, pra assegurar mais completa distração...Ioná, Balabanian, Carlos Alberto...
Já comprara a boneca Betina, que tratava como uma filhinha, comprara relógio de pulso, pequininim, mas bão de vê as hora, o colchão de molas e agora aparecia em casa com aquele vidro bojudinho, de um líquido translúcido: era o Nujol.
Ela dizia nujor, e nujor ficou. Não seguia a recomendação do rótulo com relação à dosagem. Não, o nujor era para untar os cabelos, bastos, mas sempre curtos. Já iam encanecendo, mas nunca era tarde para passar o nujor - e facilitar o assentamento do penteado, sempre esticado para trás, e expor aquela testinha franzida, crestada e miúda.
Tinha o maior zelo pela garrafinha, mas nos permitia manuseá-la e até recomendava o seu uso, pedindo à mana Rita que nos falasse das virtudes daquele produto. Demais, ela mesma lavava suas fronhas.