Flores no Entardecer
 


- Será que ela já provou o Big Dog, gente?! Eu acho que não, hein?! Óióióóó....ela não conhece ainda o Big Dog!!!!! Como é que pode?

A voz e a cena do Carlos Alberto, figura real e irreal da publicidade das lojas da Ilha, com seu megafone amalucado e suas roupas berrantes, vence a barreira do tempo, e aparece na frente de Lygia, todas as quintas-feiras à tarde. É quando ela sobe a Jerônimo Coelho, ao sair do Mercado Municipal, e passa perto do Centro Comercial ARS, dobrando para o Calçadão da Felipe Schmidt.

Ela mesma, há bem mais de vinte anos, fora alvo de seus gracejos e piadas. As do Big Dog lhe marcaram mais. Tanto, que Dona Lygia Minerva pode até nem lembrar o sabor do famoso lanche; mas não esquece o nome e nem o anúncio. De jeito nenhum.

- Ô homizinho malino! Mas era divertido. – Ela se pega pensando em voz alta, enquanto sorri para uma imagem que só seus olhos veem.

Seus olhos. Eles continuam negros e brilhosos. Viram tanto. Sonharam tanto. Deve ser por isso que não acompanham o fenecer e o esbranquiçar dos cabelos e da pele. Muita vida passou por ali. E muita ainda permanece.

- Bom dia, Dona Lygia!

- Ô meu quiiriidu! Bom dia! Tás bonzinho, tás?


Um senhor de paletó marrom xadrez, segurando uma pasta de zíper sob o braço enquanto tem a mão cheia de papéis de Loteria, toca em seu boné, como se fosse retirá-lo em reverência:

- Tô bem, sim, Dona Lygia. Tudo maravilha. – E, estufando o peito, retoma seu brado:

- Vai correr o bilhete!? É pela Feeederal!! - Seu brado comercial parece ressoar por toda a rua. 

E ressoaria mesmo, se ele ainda estivesse ali. Outra visita do passado. Para encantar os olhos de Lygia, que viajam e a levam para tantos lugares únicos.

Lugares e épocas.

Lembranças podem ter vários temperos. Lygia as prefere doces. E trata de caprichar na dosagem.

Claro que ela dedica tempo aos lamentos, também. Mas nunca muito. Sua principal dor é a saudade. De pessoas; de coisas; de momentos. Em seguida, é a decepção. Com pessoas. Só com elas.

Passando pelo ARS, em direção à Praça XV, ela olha para a esquerda e lembra que havia ali uma loja de passagens aéreas. Onde adquirira seu primeiro voo. Que dia excitante! Aquele misto de medo e fascínio a transtornara um bocado. Sentada diante de uma simpática atendente, seu corpo reagira como se estivesse na montanha russa. Arrepios; calafrios; contrações; vontade de gritar e rir ao mesmo tempo.

Sua memória lhe mostra que pedira para ir ao banheiro duas vezes. Fato inesquecível para alguém tradicionalmente tão controlada.

Por breves segundos, Dona Lygia se vê na pista do aeroporto, aproximando-se da fuselagem imensa e mágica: um avião da Cruzeiro. Já incorporada pela Varig, mas ainda ostentando sua marca em naves de alguns trajetos. Outro motivo para se orgulhar do passeio: poderia contar às amigas que andara num Boeing da companhia que iria sumir.

- E não é que, agora, as duas empresas já se foram? – Murmura pra si, como se tivesse percebido isso pela primeira vez.

As coisas se vão. E as pessoas, também.

Na esquina seguinte, na Deodoro, está a Igreja São Francisco. Cenário da última apresentação do Grande Heráclis, faquir sulista. Ela lembra a notícia. E a foto: o mestre de fugas imóvel sobre a cama de pregos; a legenda explicando sua morte por problemas de saúde. O tempo leva tudo e todos. Causa a partida de um mundo; prepara a chegada de outro.

O cheiro de café e o debate entre xícaras, pessoas e pires a fazem voltar ao presente. E perceber que sua caminhada prospera, rumo a um ponto especial: a esquina da Felipe Schmidt com a Trajano se aproxima. São quase dezesseis horas.

Uma nova viagem no tempo acontece: Ela se vê por ali mesmo, perto do Senadinho, um ponto de café responsável pelo encontro de muita gente, de vendedores a políticos. Um lugar para sentar, mergulhar no aroma dos vapores, rir, trocar olhares, ideias, bravatas ou maledicências. Enquanto o gosto pelo café e pela pausa torna todos um pouco mais iguais.

Anos atrás, ela também trabalhou ali. Foi no tempo do Valter da Luz. Conheceu bem as histórias do lugar. Na verdade, Senadinho foi uma confraria que se criou com frequentadores do Café Ponto Chic, nome real do lugar. Mas a história e os dizeres do povo ilhéu fizeram dos dois títulos uma coisa só.

Dona Lygia também sentou muito para conversar em lugares assim. Principalmente quando viveu com Plínio, jornalista e xereta típico, cheio de belas e sonoras frases que impressionaram personagens influentes da fauna local. Se dependesse de tudo que ela o viu discutindo, entre um café e outro, o planeta poderia estar bem melhor. Ou ao menos sua amada Floripa.

Mas qual! A persistência das teses e a convicção dos propósitos abandonavam-no quase sempre tão rápido quanto o café sumia das xícaras. Ou a cerveja, dos copos.

Foi divertido viver aquele mundo, por um tempo. Mas um dia Lygia cansou. E decidiu entregar seu parceiro falante, de bom grado, para sua maior rival: a vaidade, que nunca largara daquele pé.

Bastou-lhe notar que o grande giro daquela fase em sua vida nada tinha a ver com a diversão de um carrossel; mas sim com as voltas que um cachorro dá para morder o próprio rabo. Aliás, no final do romance, era bem provável que o movimento circular canino parecesse menos previsível que as coreografias verborrágicas de Plínio.

A senhora sorridente não teve, ao longo da vida, muitos problemas para dispensar um homem. Talvez porque, também, nunca vira dificuldades em atrair outro. Não mesmo.

Diferente de Cecília Diana. Sua irmã, linda e curvilínea, desfrutara de muitos galanteios, mas colhera poucos namoros. Uma resposta dura e típica surgia em seus lábios a quase toda investida masculina:

- Mofas, com a pomba na balaia!

Um dia, porém, foi ela quem mofou. Seu coração, atordoado e sem brevê, escolheu um alvo impossível. Abatido em pleno voo, seu sonho de levar o Padre Monteiro ao altar só se cumpriu do jeito mais irônico que o destino poderia inventar: ele foi o sacerdote que a casou.

O noivo? Um guri bacana de Chapecó, dedicado, disposto e ciente de seu papel de prêmio-consolação. Com saúde fraca, mas muito trabalhador, deu-lhe vida até boa, embora parecesse com uma pintura a óleo de poucas cores. Durou o suficiente para que Cecília pudesse ser mãe. E Guilherme Jr. tem sido uma grande alegria para a tia Lygia, que sem embaraço ajudou a criá-lo. Até hoje, é sua conselheira e confidente.

Os passos pelo calçadão terminam. Ela está diante da Praça XV de Novembro. Um personagem especial está postado à sua frente, do outro lado da faixa de pedestres, como se flertasse com Lygia.

A doce senhora sorri, autorizando a paquera. E atravessa a rua, assim que o semáforo abre.

Por fim, ela está junto da companhia que nunca a deixou, que sempre esteve por perto quando Lygia Minerva precisou meditar, celebrar, arrepender-se ou chorar. Em sua sabedoria silenciosa e secular, a enorme figueira do centro da praça tem sido seu amparo, nos bons e maus momentos, desde os tempos em que sua avó a chamava de Lyli.

Debaixo da carinhosa árvore, ela provou algodão doce pela primeira vez. Também foi ali que seu pai lhe explicou porque as pessoas estavam chamando sua avó de caduca.

Num domingo pela manhã, depois da missa, a enorme figueira foi a primeira a ver Gustavo lhe beijando. Seu beijo principiante, seguido de um frio na barriga diferente do da roda gigante.

Ali conhecera o Boi de Mamão. E estreara sua atuação nessa peça folclórica. Ela bem que pedira pra ser a Maricota, pois sempre se imaginara girando aquela bonecona com seus braços enormes sobre o público. Mas ainda era uma adolescente miúda. Assim, tivera que se conformar em ser a cabeça de uma comprida Bernunça.

Fazer a criatura abrir o bocão para engolir outros personagens fora até legal. Mas suportar o Osvaldinho na segunda parte do corpo daquele bicho-papão, não. Esbarrando com frequência em suas ancas, o menino pedira desculpas com uma indisfarçável alegria. Não lhe restara dúvidas de que fora de propósito. Afinal, mesmo mirradinha, ela já estava botando curvas. E todo mundo dizia que o peste era “malininho” que só ele...

- ...olê, olê, olê, olê, olê, olá! Arréda du caminhu qui a Bernunça vai passá...sai, Osvaldinho!

O sopro das folhas sussurra segredos e marcas de sua vida, que aconteceram debaixo daquele verde acolhedor.

Hoje, com os galhos sustentados por suportes metálicos, a secular árvore lembra mais ainda um sábio ancião apoiado em sua bengala, enquanto olha para o nada e para tudo, prestes a desvendar os segredos do universo. A estrada do mundo.

A passagem do tempo e seus personagens. Como seria esse trajeto se não houvesse estações no caminho, para tomarmos pausas e sentirmos o gosto de tudo? Lygia já sabe disso. A idade lhe ensinou o valor das gares, o sabor das paradas, a profundidade dos intervalos.

Ela tem seus cantos especiais. Escolhidos desde a infância. Seus refúgios na grande viagem. E são alguns. Mas o favorito continua sendo a figueira.

Quanto mais presume que se aproxima o fim da jornada, mais valoriza essa guarida frondosa e as frequentes pausas que nela faz. No mínimo, às quintas-feiras, após ajudar na inspeção da peixaria, ela está ali.

- “Ilha da velha figueira onde em tarde fagueira vou ler meu jornal.” – Quase cantarola o sucesso do Poeta Zininho, enquanto se aproxima de um banco para sentar.

Não leu jornais por ali. Mas aquela praça foi palco de muita vida para Dona Lygia.

Grandes conversas com as amigas. Muitos romances. Horas de reflexão. Compras de brincos e outros badulaques dos hippies. Poesias do Varal Literário. Recitais. Teatro de rua. Música. Tudo isso, pra ela, teve mais encanto do que páginas de esportes, horóscopos ou colunas da política.

Política. Bem que Dona Minerva participou dessas discussões, nos tempos de seu presunçoso Plínio. E testemunhou algumas coisas importantes.

Lyli esteve na Praça, por acidente, no dia da Novembrada. Ficou muito assustada com toda aquela gritaria. E saiu antes que o caldo fervesse mais. Afinal, ofender um Presidente da República em 1979 não lhe pareceu algo que pudesse acabar bem.

Ficar sob a figueira também acalenta seu coração de mãe. Ali, relembra de Jorgito e Eduardo, como se ainda estivessem com ela.

Jorgito tinha mãos impressionantes para o desenho. De seus traços saíam muitas paisagens, pessoas e coisas. O trabalho que Lygia mais gosta, até hoje, é uma imagem dela mesma em primeiro plano, tendo a figueira ao fundo.

Cheia de detalhes, a ilustração em preto e branco virou um quadro que fica em seu quarto, onde o vê todas as noites e todas as manhãs. Ele a ajuda a lembrar como foi boa a vida que teve ao lado dos filhos.

As vozes ressoam em seu coração.

- Gostasse desse desenho, mãe?

- Claro, Jorgito! Ela adorou...!!! Afinal, melhor que isso aí só pão com merda, não tem?!

- Ah! Sai daqui, seu ixtepô!

- Eduardo, para de enfezar o teu irmão!!

- É só brincadeira, mãe! Esse amarelo sabe que é só brincadeira.....hahaha!

- ‘Tás tolo, é? Quê qui há, ô?!


Eduardo cresceu na Ilha mesmo. Apaixonado pelo mar, conseguiu viver dele. A Peixaria do Dudu teve sempre um bom público, com um ponto no Mercado Municipal e outro no Ribeirão.

Jorge, que sempre quis abraçar o mundo, trabalhou na Transbrasil. Até conseguir entrar numa grande empresa de turismo e se mudar para Montevidéu.

- Qués ir com a gente matá tainha, Jorgito? Hoje vai dá bom!

- Valeu, Dudu. Mas vim visitar a mãe e sei que essas pescarias demoram o dia todo.


Aquela fora a última conversa entre os dois irmãos.

O mar não deixou Dudu retornar. Falha no motor, mau tempo, bebedeira, sereias? Não faz diferença. Ele nunca mais voltou. É o que basta saber.

A saudade é grande. Dona Lygia nunca esperou que um filho partisse antes dela. Mas foi o que aconteceu.

Só que o tempo que teve com esses meninos foi muito bom. E conseguiu vê-los realizar sonhos e mais sonhos. Então a boa senhora carrega mais gratidão do que lamentos na memória. A vida, afinal, está naquilo que pôde ser. E não no que não foi.

Jorgito a visita todo ano. E ela mesma já se arriscou em ir duas vezes ao Uruguai. Na segunda, até foi paquerada por um senhor que tocava bandoneon no Bar Fun Fun.

Rodolfo Fuentes. Foi assim que ele disse se chamar. Impressionou-a muito com o terno, a brilhantina, o sorriso magnético e o olhar de quem já tinha passado poucas e boas na vida. Seu pedido para sentar-se com eles, após terminar o show, foi acolhido com um brilho nos olhos. Conversaram até a casa fechar.

Provavelmente, mais da metade das histórias que o galante músico contou naquela noite soariam melhor numa obra de ficção. Mas àquela altura da vida, Lygia Minerva já tinha concluído que boas risadas valem mais do que a sinceridade sóbria dos fatos.

Ele a acompanhou até o carro de Jorge. E ensaiou um convite. Ela ensaiou aceitar. Mas um caloroso “boa noite” encerrou o encontro, tornando o mundo um lugar mais seguro para as convenções sociais. Que pena.

Foi bom para saber que ainda cabem suspiros em seu coração. E em sua vaidade.

Às vezes, ela sonha em voltar ao Uruguai. E ao Bar Fun Fun. Mas sem avisar seu filho.

- Aí senhora! Fica bem quietinha e vai passando a bolsa agora! – A voz, ora agressiva, ora assustada, interrompe suas nostalgias. Sua adrenalina muda rápido.

Um rapaz de boné, quase homem feito, bem vestido e com os dentes tratados, está de pé, diante dela. Seu olhar é agitado, como quem teme ser pego. Na mão trêmula, ostenta um canivete suíço.

- Vamo, vovó! Ligeiro aí! ‘Tás demorando muito! – O jeito de falar, na segunda frase, chama a atenção.

- Cidinho?

O pretenso meliante engasga.
- D-Dona Minerva?

- O quê quié isso, rapaz? Tua tia te deu outra educação...

- D-desculpa, Dona Minerva... eu me meti nuns rolo aí... tô desesperado... nunca tinha feito isso, não...


O coração dela bate tão forte, que parece capaz de explodir. Mas a mulher mantém o controle. E a autoridade.

- Procura ajuda, menino. Tu não leva jeito pra isso... vão acabá ti matando!

Confuso e envergonhado, Cidinho foge.

- Coitada da Regina! – Resmunga pra si, enquanto tira um lenço da bolsa para enxugar os olhos, úmidos pelo choque. Sua pulsação começa a desacelerar. Mas a quentura da face, não.

Lygia Minerva,  é provável, sentirá uma onda de medo mais adiante. E talvez venha a se perguntar se ainda é seguro ficar em seu amado canto de meditação. A alegria que ainda encontra ali poderá ter o mesmo destino que uma foto antiga, daquelas que o tempo e a umidade tratam de embolorar.

Mas, de imediato, o que a senhora dos olhos brilhantes sente é tristeza por sua antiga vizinha. Quanta decepção Regina terá que enfrentar com Cidinho, até que haja um final nesse drama. Para bem ou para mal.

Lágrimas contidas, ela se levanta. E por um momento chega a pensar em ir embora. Mas não é de se entregar por pouco. Sempre encarou tudo o que a vida lhe trouxe. E aquela figueira é o seu abrigo favorito.

Decide então caminhar para a cabeceira da praça, no sentido do Largo da Catedral. Avista a velha floricultura. Ela ainda está lá. É um bom lugar pra perfumar suas ideias novamente.

- Boa tarde, Dona Minerva! – O rosto nipônico surge entre as prateleiras de vasos e arranjos.

- Oi, Dona Massae! ‘Tás boazinha , 'tás?

- Tô, sim. Obrigada. Tá precisando de flor, né?


Lygia Minerva já conhece o jeito da florista. E sabe que essa frase é usada sempre. Mas hoje, especialmente, as palavras soam como a adivinhação de um oráculo.

- Pois olha, nem sei direito. Mas acho que sim. Preciso de uma flor que me diga algo, não tem?

Massae assente com a cabeça e olha ligeiramente para baixo, como se estivesse buscando algo.

Em seguida, caminha entre suas plantas e começa a falar.

- Flor tem personalidade, força e fraqueza, como gente. Tem flor com beleza rara; mas vida curta. Energia foi toda pra beleza. Tem flor que parece comum e doce; mas come quem pousa nela.

Lygia vai ouvindo a florista, enquanto tenta fazer sua mente se esvaziar do susto, enchendo-a com as imagens e os ares das plantas à sua volta.

Súbito, seus olhos se pregam numa, à sua esquerda.

- Que flor é aquela?

- Ah! Gostou de antúrio, né? Planta especial. Vê como inflorescência dela imita coração? Na verdade, flor está só nos pontinhos amarelos da espiga. O resto, tempo fez antúrio criar. Espiga imponente; folha vermelha, brilhante como coração grande.

- É fácil cuidar dela?

- Nenhuma vida é fácil cuidar, Dona Lygia. Mas se quiser aprender, Massae ensina. Sobre antúrio, né?


As duas sorriem.

- Antúrio custa a perder brilho. Mesmo cortada, dura muito. Planta forte, bela, se bem cuidada. Resiste a muita coisa. Até ao tempo. Parece dar conta disso melhor que outras flores.

Lygia escuta com redobrado interesse.

- Mãe de Massae dizia que antúrio não nasce forte, mas escolhe ser forte. E que folha imita coração brilhoso porque antúrio ama viver.

As palavras tocam seu espírito. Suas escolhas, seu gosto pela vida, desfilam na voz de Massae. Nas cores do antúrio. Nos perfumes da floricultura. No verde da figueira.

É assim que ela vê. É assim que ela sente. É assim que ela é.

Não importa o tempo que passe; as coisas que mudem; as dores que venham; as paredes que mofem. Lygia Minerva sorve da magia do mundo à sua maneira. E seu sorriso persevera. Seus olhos não veem só coisas boas. Mas escolhem se alimentar delas.

- Vou levar esse antúrio. Depois de me ensinares a cuidar dele, tá?

Quando sai da floricultura, as nuvens no céu começam a se avermelhar nas bordas, mostrando que o sol irá se por. É a cena que ela ama ver bem dali, da praça. Se o sino da catedral bate ao fundo, então, Lygia Minerva sente que o universo está no destino certo.

Hoje, entretanto, depois da vida deixar tão claro que pode ser ainda mais breve, a senhora dos olhos brilhantes se surpreende a imaginar um fundo sonoro adicional: bandoneons. Imaginar e desejar.

O antúrio em sua mão balança delicadamente. Como se a incentivasse. Como se concordasse.

E Lygia, Dona Lygia, Lygia Minerva, Dona Minerva e Lily sabem que precisarão fazer algo a respeito.