O gato de rua
A chuva dera uma trégua muito bem vinda.
Chovia desde o começo da madrugada e lá pelas nove horas transformara-se numa fina e gelada garoa que parecia decidida a manter-se até o fim dos tempos... Até que cessou e o sol despontou entre as nuvens. O tráfego, entretanto era intenso, assim como os pedestres, indo e vindo pelas ruas enlameadas.
Um gato de rua, negro, de pelos crespos e sujos, mas com olhos verdes e vivos como raríssimas esmeraldas, aproveitou essa pausa para arrastar-se para um lugar mais seco. Encontrara um bom esconderijo durante a noite, um espaço vago numa pilha de tijolos, adormeceu sem dar-se conta da água que adentrou seu espaço e ensopou-o. Ainda era jovem e queria imensamente secar-se. Logo, com a chegada do sol escapuliu dali, mas sua agilidade e rapidez se foram. Estava pesado; os olhos cansados e até a respiração ofegava um pouco. Como todo bicho irracional não tinha a mínima noção do que poderia ter lhe ocorrido, mas não comia bem há algum tempo e sabia que tinha fome. Muita. Caminhou pela rua fria e quando chegava ao outro lado uma coisa negra surgiu repentinamente, houve um grito estridente e então o atingiu nas costas. Os ossos das pernas dobraram-se e partiram-se, junto com a coluna. Os pequeninos ossos da cauda esmigalharam-se. Gritou e rolou no chão gemendo. Ensopou-se ainda mais. O vulto sumiu rua acima.
Arrastou-se dolorosamente até chegar ao meio-fio, o esforço para subir na calçada varava-lhe o corpo todo em dores pontiagudas. Desistiu. Bebericou água numa pequena poça e acomodou-se ali mesmo. Fitava pés que passavam perto chapinhando água em sua cara peluda e desviando-se dele. Pés quase descalços e sujos, pés forrados com couros grossos e sujos. Coisas negras corriam de um lado a outro da rua.
Ficou a observar tudo isso pelo resto daquele dia.