Luíses..

-- Quem morre vira santo, disse meu pai ao lado do caixão de um defunto recente, com ar de indignação, bem que encarando o morto que agora parecia estar dormindo. Quem já se encontrava em óbito, se nomeava dono da rua das Palmeiras, conhecido como Luís do armazém, era com uma espingarda enferrujada e um tiro para o alto que o mesmo se dedicava ao cargo toda sexta feira, das 18 de sexta às 18 de domingo, bêbado e rouco, gritava num ato de cabal autoritarismo -- Quem manda aqui sou eu, e eram assim turbulentos todos os finais de semana naquela rua estreita da cidade de Santa Luzia, rua pobre, com casos abertos, tudo de todos à luz do saber, entre as cortinas e esquinas. O silêncio se fez notório e então inédito naquele sábado, falecera Luís do armazém, o insuportável dono da rua das Palmeiras, tombou de infarto e no chão morreu, não dando tempo nem de chamar ninguém para acudir. Quem descobriu? Ora, quem que não fosse sua fiel cliente e talvez mais amada, Maria da Rosa..? Que Inventando de comprar farinha logo cedo, bateu na porta do tirano umas cinco vezes e estranhou a falta de hospitalidade que recebia da pessoa que só de ouvir suas batidas na porta, sincronizadas e familiares, lhe vinha com mil e uns bons dias, cheio de cortejos. Que estranho pareceu para Maria, ficou ali a esperar, esquecendo-se do marido em casa, prestes a acordar e sentir tua falta na cama, como quase toda semana acontecia, arrombou a porta do armazém, preocupada que só, cheia de dor, parecendo saber da ruína, deu de cara com a tragédia que sucedera a Luis, caído no chão, morto. E foi, deu sete da manhã, mais gente na frente do armazém, uns atrás de pão, açúcar, outros querendo café, tudo na conta para ser quitado final do mês, ali era o motivo de se aturar Luiz e seus ditames, na rua das Palmeiras, tinha ele certas serventias, como uma mão na luva servia nos dias de fome da rapaziada viajante e das famílias que ali sobreviviam. Seu romance com Maria, era caso de há muito tempo sabido, e quem era louco de falar alguma coisa? Lúcio da Alvenaria, o marido, parecia fingir não enxergar as idas constantes da mesma até o armazém e toda descabelada voltando cheia de compras repetidas, com muito agrado falso a proporcionar ao esposo que nada lhe fazia de diferente para merecer.

Desta vez, Maria não voltou tão rápido e nem quis saber de passar a má informação assim que a recebeu. Se deitou do lado do homem que de fato amava e chorou baixo sem se mexer, tocou no rosto de Luiz já frio e incapaz de amar-lhe como dantes. O passado deste homem não era lá dos melhores, separou-se da mulher, a qual, parecia maltratar com palavras, ciúme desmedido e pontapés juntamente com os filhos, deixando-os sem sem motivos e com garantias exíguas, mudou-se para longe, despreocupado. De fato assumia que foi infiel, egoísta, pior que qualquer um e só declarava isso a Maria, sua fiel, nos momentos de deleite, sendo que a mesma não acreditava que alguém assim tão bom, com certos "distúrbios de posse", e modos carrascos é claro, pudera ser uma pessoa tão perversa a ponto de deixar com fome seus próprios filhos. Uma vez que na relação de Luiz com seus filhos, a anistia já havia sido estabelecida, as lembranças que nos rostos de seus filhos se estabeleceram não parecia lá das boas, e no velório, nenhuma lágrima veio, muito menos o apavoramento. É que são as recordações que constroem o amor ou o ódio, já ali, as que seus filhos possuíam não passavam de memórias cheia de juízo de um ser mesquinho e sem amor. Luis mudara, infelizmente os seus não deram-lhe crédito, adotaram uma aceitação de perdão, com uma distância limiar e passífica. Como quem dissessem " te perdoamos e que a distância nos sirva de alimento". O filho mais velho de Luiz, sem te ver já iria completar quatro anos, os outros três, só apareciam em datas de festejo na cidade. O invólucro de pai para com filhos ou vise-versa se esfriara de vez e sua morte não foi o bastante para que a má reputação de Luís se apagasse nas mentes dos "ingratos", nome sugerido pela própria Maria na hora do velório, se portando de braços cruzados no canto dos umbrais da porta, de mal com a vida e com os próximos dias que lhe obrigariam a seguir e conviver com a ausência do homem que de fato lhe fizera se sentir mulher, a própria alvorada. Descrever enterro, não o faço a muito tempo, o de Luís cria-me nos olhos uma tremenda vontade de dizer-lhe que foi um normal, e como haveria de ser, senão assim? Diante da cova, muitos outros próximos mortos, com ar de que com eles não lhes irá acontecer dano semelhante, estão numa fila, pobres mortos vivos, zumbis dementes, tão pouco espertos..

Mirela Lourdes
Enviado por Mirela Lourdes em 26/06/2015
Reeditado em 27/06/2015
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