ENQUANTO ELA VIVER
O vento frio batia sem piedade na velha janela de madeira, da casa rústica e simples.
O mês de junho chegava, trazendo junto com ele o inverno.
Dora olhou o dia que acabou de despertar, o sol, ainda, não foi capaz de derreter o fino lençol branco, que a noite gelada estendeu sobre toda plantação.
Ao pé da vidraça ela observa aquele cenário tão familiar, aquelas terras, a viram nascer, crescer, noivar, casar, e se tornar mãe, de três lindos meninos.
Aquele sítio pertencia a sua família há quase um século, desde que seu avô viera da Itália, daquele lugar, vinha o mirrado ganha-pão de toda família. O inverno passado, havia castigado toda safra de soja, e milho, e, se não fosse a bondade dos amigos, toda sua gente teria passado fome. Esse ano, eles tinham esperança de recuperar o prejuízo, contavam com uma boa colheita, isso, claro, se o tempo ajudasse.
Porém, fazia alguns dias que, Dora estava na faina, como sempre, mas seus pensamentos estavam longe dali. Havia um mês que notara uma mancha branca, no olho esquerdo, do seu menino do meio, olhando melhor enquanto o banhava, o efeito, era até bonito, o olho do menino parecia com o olho de um gato. Parecia que o mesmo estava oco por dentro. E, depois disso, percebeu, que ele esbarrava nos poucos móveis que tinha na casa, e acabava caindo.
No dia anterior, ela o havia levado até o posto de saúde da cidadezinha mais próxima, e depois de muito esperar pelo atendimento, ouviu o médico lhe dizer, que seria preciso um exame mais detalhado, para fazer um diagnóstico. Ele forneceu a Dora, um endereço, do local onde se fazia o exame, só que era pago, e custava por volta de 550,00 reais. Mas, ele sentenciou, a senhora deve levá-lo ainda hoje, pois, o caso dele é grave, muito grave.
Dora voltou para casa, a pé, carregando nos braços seu adorado menino, no caminho ele adormeceu, e ela aproveitou para chorar todo medo, que havia em seu coração. Desde que percebera o clarão vazio nos olhos do filho, ela se assustara, e depois, quando ele começou a mostrar que estava com dificuldade para enxergar, seu medo aumentou.
Chegou em casa, quando as primeiras estrelas começavam a bordar a imensa colcha do céu, sua família, ja estava reunida para o jantar, o cheiro da sopa de feijão com macarrão, lhe era tão familiar, em outra noite qualquer, sua fome a convidaria a se servir com vontade da refeição deliciosa que sua mãe preparava com carinho, para toda família. Porém, naquela noite, Dora tinha um nó tão grande lhe fechando a garganta, que nem água, conseguia passar por ele.
No dia seguinte, a "vaquinha" feita pelos familiares e vizinhos, somavam 550,00 reais, o suficiente para pagar o exame de fundo de olho, do menino. Dessa vez, Dora foi de ônibus, pois o lugar era longe demais, ficava em outra cidade.
No trajeto ela tentava, se distrair, e distrair seu belo menino, de olhos azuis como o céu, e cabelos amarelos como os raios do sol, mas, um sexto sentido, tão familiar as mães, teimava em dizer à ela que Pedro tinha algo grave, muito grave.
Na clínica, o exame foi feito, e o resultado, veio em poucas horas, era quase certeza que se tratava de câncer, e aconselharam Dora, a viajar o mais rápido que fosse possível para São Paulo, e tentar tratar o menino em um hospital que trata o câncer infantil, sem nada cobrar.
Ela não saberia dizer como regressou para casa, seu coração pesava mil vezes mais do que o filho querido que ela não afastou um segundo do seu colo.
Contando com a ajuda de todos, e com uma coragem que só as mães tem, uma semana depois, Dora tomou um ônibus em direção a grande cidade, que ela so conhecia por foto.
Depois de perguntar e mostrar o papel com o endereço do hospital, para muitas pessoas, Dora chega em frente do lugar, seu coração está aos saltos, sua alma aos pedaços, seus braços cansados de tanto carregar seu menino. Na recepção preenche um papel, e fica aguardando.... ela sequer sabe por quanto tempo espera, à sua volta, vê outras mães, com o mesmo medo no olhar, e a mesma dor no coração. Entende o que vai na alma de cada uma delas sem precisar falar com nenhuma.
De repente, uma enfermeira a encaminha a um médico, e depois de examinar os olhos do seu menino, ele é levado para uma sala de exames mais especíificos, ali, Dora não pode acompanha-lo. Sem querer soltar-se do colo da mãe, ele chora, e ela chora também.
Uma hora e pouco depois, Pedro volta, junto dele uma médica que tem doçura no olhar, diz para Dora, o que ela não queria ouvir: Pedro tem "Retinoblastoma" um tumor intraocular mais frequente na infância, a Doutora explica que em mais da metade dos casos a doença é hereditária, e acomete os dois olhos, e no caso de Pedro, os dois olhos estão com a doença, e acrescenta: uma cirurgia precisa ser feita o mais rápido possível, na tentativa de salvar parte da visão direta dele, pois a esquerda, Pedro já perdeu. Depois, olhando diretamente nos olhos de Dora, a bondosa médica pergunta: você tem outros filhos? se tiver, todos terão que vir até aqui, e passar por exames, pois eles também podem ser portadores da doença.
Dora chora sem querer, aquelas lágrimas teimam em queimar seu rosto, imagina seu querido João de cinco anos, e Josepe de apenas um aninho, também vitamados por aquele cruel destino.
Faz dois meses e meio que Dora, vive naquele hospital, sente tanta saudade dos outros dois filhos, que deixou lá no sul, em sua pequenina cidade, de sua mãe, de seu marido, seus irmãos. A família está amealhando recursos, para trazer os outros dois meninos de Dora, para os exames preventivos da doença. Sentada no pequenino quarto que ela divide com outra mãe, tão sofrida quanto ela, Dora pensa: Não fosse a mão de Deus, tê-la conduzido a um hospital tão bom, onde Pedro está sendo tão bem cuidado, e a bondade das voluntárias, que tudo fazem para minimizar a tristeza dela e do menino, e ela não saberia o que teria sido dela.
Há quase dois meses, Pedro foi operado, e a médica acertou, a visão esquerda foi destruída pelo câncer, o menino ficou com menos de 10% da visão direita.
O tratamento em torno da doença ainda vai longe.
Dora acostumou a olhar pela pequena vidraça e ver aquele mundo de carros passando sem parar, sente falta da velha janela de madeira, do lençol branco, estendido sobre a plantação logo pela manhã, do cheiro do café fresco, do aroma da broa de fubá assando no fogão à lenha, da alegria dos meninos sentados à mesa da cozinha. Vive ali, em meio a estranhos, sente tanta falta de sua família.
Assim mesmo, todos os dias agradece a Deus, pelos médicos que se empenham em salvar a vida do seu amado menino, e pede em prece, que Ele deixe seu filho viver. Não importa que ele não enxergue mais, a cor das flores, a beleza dos pássaros, o brilho dourado do sol, a carinha alegre do thor, o cão que ele tanto ama.
Promete a Deus, que os olhos dela serão os dele, enquanto ela viver.
(Imagem; Lenapena)
O vento frio batia sem piedade na velha janela de madeira, da casa rústica e simples.
O mês de junho chegava, trazendo junto com ele o inverno.
Dora olhou o dia que acabou de despertar, o sol, ainda, não foi capaz de derreter o fino lençol branco, que a noite gelada estendeu sobre toda plantação.
Ao pé da vidraça ela observa aquele cenário tão familiar, aquelas terras, a viram nascer, crescer, noivar, casar, e se tornar mãe, de três lindos meninos.
Aquele sítio pertencia a sua família há quase um século, desde que seu avô viera da Itália, daquele lugar, vinha o mirrado ganha-pão de toda família. O inverno passado, havia castigado toda safra de soja, e milho, e, se não fosse a bondade dos amigos, toda sua gente teria passado fome. Esse ano, eles tinham esperança de recuperar o prejuízo, contavam com uma boa colheita, isso, claro, se o tempo ajudasse.
Porém, fazia alguns dias que, Dora estava na faina, como sempre, mas seus pensamentos estavam longe dali. Havia um mês que notara uma mancha branca, no olho esquerdo, do seu menino do meio, olhando melhor enquanto o banhava, o efeito, era até bonito, o olho do menino parecia com o olho de um gato. Parecia que o mesmo estava oco por dentro. E, depois disso, percebeu, que ele esbarrava nos poucos móveis que tinha na casa, e acabava caindo.
No dia anterior, ela o havia levado até o posto de saúde da cidadezinha mais próxima, e depois de muito esperar pelo atendimento, ouviu o médico lhe dizer, que seria preciso um exame mais detalhado, para fazer um diagnóstico. Ele forneceu a Dora, um endereço, do local onde se fazia o exame, só que era pago, e custava por volta de 550,00 reais. Mas, ele sentenciou, a senhora deve levá-lo ainda hoje, pois, o caso dele é grave, muito grave.
Dora voltou para casa, a pé, carregando nos braços seu adorado menino, no caminho ele adormeceu, e ela aproveitou para chorar todo medo, que havia em seu coração. Desde que percebera o clarão vazio nos olhos do filho, ela se assustara, e depois, quando ele começou a mostrar que estava com dificuldade para enxergar, seu medo aumentou.
Chegou em casa, quando as primeiras estrelas começavam a bordar a imensa colcha do céu, sua família, ja estava reunida para o jantar, o cheiro da sopa de feijão com macarrão, lhe era tão familiar, em outra noite qualquer, sua fome a convidaria a se servir com vontade da refeição deliciosa que sua mãe preparava com carinho, para toda família. Porém, naquela noite, Dora tinha um nó tão grande lhe fechando a garganta, que nem água, conseguia passar por ele.
No dia seguinte, a "vaquinha" feita pelos familiares e vizinhos, somavam 550,00 reais, o suficiente para pagar o exame de fundo de olho, do menino. Dessa vez, Dora foi de ônibus, pois o lugar era longe demais, ficava em outra cidade.
No trajeto ela tentava, se distrair, e distrair seu belo menino, de olhos azuis como o céu, e cabelos amarelos como os raios do sol, mas, um sexto sentido, tão familiar as mães, teimava em dizer à ela que Pedro tinha algo grave, muito grave.
Na clínica, o exame foi feito, e o resultado, veio em poucas horas, era quase certeza que se tratava de câncer, e aconselharam Dora, a viajar o mais rápido que fosse possível para São Paulo, e tentar tratar o menino em um hospital que trata o câncer infantil, sem nada cobrar.
Ela não saberia dizer como regressou para casa, seu coração pesava mil vezes mais do que o filho querido que ela não afastou um segundo do seu colo.
Contando com a ajuda de todos, e com uma coragem que só as mães tem, uma semana depois, Dora tomou um ônibus em direção a grande cidade, que ela so conhecia por foto.
Depois de perguntar e mostrar o papel com o endereço do hospital, para muitas pessoas, Dora chega em frente do lugar, seu coração está aos saltos, sua alma aos pedaços, seus braços cansados de tanto carregar seu menino. Na recepção preenche um papel, e fica aguardando.... ela sequer sabe por quanto tempo espera, à sua volta, vê outras mães, com o mesmo medo no olhar, e a mesma dor no coração. Entende o que vai na alma de cada uma delas sem precisar falar com nenhuma.
De repente, uma enfermeira a encaminha a um médico, e depois de examinar os olhos do seu menino, ele é levado para uma sala de exames mais especíificos, ali, Dora não pode acompanha-lo. Sem querer soltar-se do colo da mãe, ele chora, e ela chora também.
Uma hora e pouco depois, Pedro volta, junto dele uma médica que tem doçura no olhar, diz para Dora, o que ela não queria ouvir: Pedro tem "Retinoblastoma" um tumor intraocular mais frequente na infância, a Doutora explica que em mais da metade dos casos a doença é hereditária, e acomete os dois olhos, e no caso de Pedro, os dois olhos estão com a doença, e acrescenta: uma cirurgia precisa ser feita o mais rápido possível, na tentativa de salvar parte da visão direta dele, pois a esquerda, Pedro já perdeu. Depois, olhando diretamente nos olhos de Dora, a bondosa médica pergunta: você tem outros filhos? se tiver, todos terão que vir até aqui, e passar por exames, pois eles também podem ser portadores da doença.
Dora chora sem querer, aquelas lágrimas teimam em queimar seu rosto, imagina seu querido João de cinco anos, e Josepe de apenas um aninho, também vitamados por aquele cruel destino.
Faz dois meses e meio que Dora, vive naquele hospital, sente tanta saudade dos outros dois filhos, que deixou lá no sul, em sua pequenina cidade, de sua mãe, de seu marido, seus irmãos. A família está amealhando recursos, para trazer os outros dois meninos de Dora, para os exames preventivos da doença. Sentada no pequenino quarto que ela divide com outra mãe, tão sofrida quanto ela, Dora pensa: Não fosse a mão de Deus, tê-la conduzido a um hospital tão bom, onde Pedro está sendo tão bem cuidado, e a bondade das voluntárias, que tudo fazem para minimizar a tristeza dela e do menino, e ela não saberia o que teria sido dela.
Há quase dois meses, Pedro foi operado, e a médica acertou, a visão esquerda foi destruída pelo câncer, o menino ficou com menos de 10% da visão direita.
O tratamento em torno da doença ainda vai longe.
Dora acostumou a olhar pela pequena vidraça e ver aquele mundo de carros passando sem parar, sente falta da velha janela de madeira, do lençol branco, estendido sobre a plantação logo pela manhã, do cheiro do café fresco, do aroma da broa de fubá assando no fogão à lenha, da alegria dos meninos sentados à mesa da cozinha. Vive ali, em meio a estranhos, sente tanta falta de sua família.
Assim mesmo, todos os dias agradece a Deus, pelos médicos que se empenham em salvar a vida do seu amado menino, e pede em prece, que Ele deixe seu filho viver. Não importa que ele não enxergue mais, a cor das flores, a beleza dos pássaros, o brilho dourado do sol, a carinha alegre do thor, o cão que ele tanto ama.
Promete a Deus, que os olhos dela serão os dele, enquanto ela viver.
(Imagem; Lenapena)