A agente de saúde
Ela trabalhava como agente de saúde na área rural de uma pequena cidade no interior do estado.
Para cumprir seu percurso, pedalava quilômetros na rodovia e nas estradas de chão.
Gostava do trabalho. Acompanhava o peso das crianças menores de 2 anos, pesava as gestantes... levava informações, orientações... registrava os óbitos...
Com o tempo, acabou ficando íntima das famílias e quando estava chegando, ao abrir as porteiras, as crianças vinham correndo ao seu encontro. Elas gostavam de ser pesadas naquela balança de saquinho onde ficavam dependuradas como em um balanço...
Em certas ocasiões, devido a distancia, só conseguia visitar duas residências por dia... chegava, ouvia as queixas... pesava as crianças e registrava no cartão... ouvia as gestantes... ouvia as senhoras e senhores idosos... as mulheres com suas lamentações sofridas... com o tempo foi percebendo que a principal carência daquelas pessoas era a carência de ser ouvido. Ela era jovem, não tinha muita experiência com estas coisas de saúde... e na verdade, nem precisava... quando percebia algo mais sério, encaminhava ao posto de saúde na cidade. Mas, ela sabia ouvir. E era disso que as pessoas estavam precisando!
Após quase um ano de atividade, aconteceu o primeiro óbito em sua região de atendimento... era um idoso que estava acamado havia anos... ele nem se levantava mais do leito... era cuidado pacientemente por sua esposa apenas... ele falecera no final de semana e a agente de saúde, assim que soube, foi visitar a viúva na segunda-feira. A senhora morava em um pequeno rancho na propriedade de uma das irmãs. Quando a agente de saúde chegou, ela estava sentada em sua cadeira de balanço que estava em baixo de uns pés de manga no quintal. Fazia calor e o local estava ventilado e agradável... a senhora se levantou e foi ao seu encontro... a agente de saúde, sem dizer uma palavra, a segurou pelas mãos por um instante e as duas mulheres se abraçaram. Choraram juntas por um tempo até que a senhora, ainda segurando em suas mãos, a conduziu para o local onde estava antes... a agente sentou-se em um banco e a senhora voltou para a cadeira de balanço... a agente era bem jovem, poderia ser facilmente confundida com uma das netas daquela senhora... ficaram em silencio por algum tempo... a viúva, de tempos em tempos suspirava profundamente, sem nada dizer... a agente nada dizia... apenas segurava as mãos magras e calejadas entre as suas, acariciando levemente a pele enrugada... de repente, a senhora diz – “E agora, o que vai ser da minha vida?”... outro suspiro... “... Ele morreu dormindo... como um passarinho...”
A agente de saúde ficou pensando enquanto ouvia a viúva que no treinamento que tivera, ninguém a preparou para um momento como este... mas, estava ali, acima de tudo pelos laços que criara... agia como agiria com uma pessoa amiga... pois, ela – a viúva, era uma pessoa amiga acima de tudo!
Sabe o que me deixou mais triste e magoada? Perguntou a senhora... foi o que minhas netas falaram... “Elas disseram que agora eu poderia descansar, pois não teria mais ninguém para dar trabalho!” ... terminou esta frase entre lágrimas... a agente de saúde abraçou a senhora viúva e as duas ficaram ali por um tempo não calculado... apenas quietas... a senhora viúva não chorava mais... a agente disse baixinho enquanto acariciava os cabelos embranquecidos da senhora – “Tudo vai ficar bem.”
A senhora se afastou um pouco, olhou com seus olhos sofridos para o rosto da agente de saúde, segurou aquele rosto pequeno em suas mãos e disse – “Obrigada, minha filha, obrigada!”
Passados mais algum tempo, a agente se foi. Esta foi a última vez que veria aquela pobre senhora viúva.
Soube que ela foi morar com uma das filhas em outro município e pouco tempo depois veio a falecer. Jamais se recuperou da perda que tivera.
Algum tempo depois deste episódio a agente de saúde passou em um concurso público e mudou de profissão.
Não visitava mais todas as famílias, mas, sempre quando ia à cidade, encontrava um ou outro... revia as crianças, agora crescidas... retornava em algumas casas... tomava café...
Agora não eram mais famílias do seu território de trabalho, eram amigos cultivados... mulheres, homens, idosos, crianças... amigos.