O MENINO QUE SONHAVA ALTO

 
      Nascido em 1965, filho de um jovem casal de trabalhadores rurais, que por razões desconhecidas não o criaram, deixando a cargo de seu avós materno que moravam também na fazenda. Depois de algum tempo os pais mudaram para outra fazenda vizinha.
      Os avós gostaram da ideia, depois de tanto tempo ter uma criança em casa era motivo de felicidade, pois esta enchia a casa de vida, de alegria e amenizava os efeitos da solidão que sentiam depois que os filhos todos casaram e foram para suas casas.
   Casal religioso católicos tradicionais, sua avó em segredo acalentava um sonho de formá-lo padre. No silencio de seu coração de devota já o via com os paramentos todos, aquelas roupas lindas que os sacerdotes usam e que ela tanto admirava. O imaginava todo recolhido em oração, passando horas em contemplação, num colóquio amistoso com os santos.
      Mas para a tristeza da boa senhora, não foi bem isso que ocorreu, com o passar dos tempos o menino foi demonstrando que não tinha vocação para o sacerdócio, nem para uma vida pacata, ficava cada dia mais evidente o seu espírito aventureiro.
    No início da década de setenta, na fazenda não havia televisão apenas rádios, aos domingos e dias santos os jovens jogavam bola descalço num campinho em frente a colônia. A noite iam a cidade que chamavam apenas de (vila), ou reuniam-se na casa de um deles ou então no mesmo campinho pra bater papo.
     Falavam de coisas do cotidiano rural, ouviam programas de rádio com musica sertaneja raiz, mas tinha um deles que tinha um gravador a pilha e algumas fitas K 7 de músicas, como valsas vienenses, Abba, Perla entre outras que se ouvia na época .
      Mas o menino apesar de ser o mais jovem do grupo, falava de rock, era fã dos Beatles, especialmente do John Lennon, tinha umas ideias audaciosas para a época, falava de viajar, conhecer as grandes cidades.
     Nutria dois sonhos que o inspirava, um era estudar engenharia outro era ser um grande radialista.
    O “menino” agora já adolescente com treze ou quatorze anos, acompanhava os jovens quando iam à cidade, domingo a tarde passavam horas no bar jogando bilhar, bebendo pinga e cerveja, ele bebia meio escondido por ser menor de idade, a noite também os acompanhava, na cidade.
     Tomou seu primeiro porre de bebida, numa noite fria quando já iam embora para casa quase saindo da cidade, um do grupo teve uma ideia que foi imediatamente aprovada por todos. -- E se a gente comprasse uma garrafa de pinga para esquentar.
   Assim foi feito, compraram uma garrafa de três fazendas muito conhecida na época, dirigiram-se para a saída da cidade no claro do último poste de iluminação, em frente a um prédio abandonado onde por muito tempo funcionou uma máquina de beneficiar cereais, começaram a beber no gargalo. Tomando um gole cada um, chegando sua vez o “menino” virou a garrafa no queixo e tomou vários goles seguidos, sendo interrompido rapidamente por outro que tirou a garrafa de suas mãos.
    Devido sua pouca idade e falta de costume, os efeitos da pinga começaram rápido ele ficou alegre, ainda mais falante e com a força do álcool aquele sonho de ser radialista aflorou, ele imitava locutores famosos, anunciando show de música, narrando uma partida de futebol, reportagens sobre variados temas.
    A caminhada até em casa era de aproximadamente meia hora, andando por trilhos no meio de pastagens para o gado, e os amigos foram devagar, segurando passo e até pararam um pouco no alto de um morro de onde dava para avistar as colônias, pois era noite de lua cheia. Ficaram ali conversando dando um tempo para que ele melhorasse, porque havia uma preocupação, como chamar o avô e entregá-lo em casa naquele estado.
    Mas o tempo passava e sua empolgação aumentava, o jeito foi ir embora, chegando próximo a sua casa os mais velhos recomendaram para que parasse com aquele falatório, ficasse quieto para não demonstrar todo seu estado, porque se levassem bronca do seu avô, ele não os acompanharia mais. Para sorte de todos tudo correu bem, pois o avô deve ter percebido, mas conhecendo o seu temperamento não culpou os amigos.
     Quando o “menino” tinha quinze anos, foi morar com seus pais. Seu pai era administrador da fazenda que pertencia a uma empresa especializada na criação de gado de corte. Lá era uma cidade maior e ele começou a frequentar a vida noturna, fez novas amizades, namorou, bebeu, jogou tornou-se um jovem boêmio.
     Depois de um tempo, talvez por suas raízes e influência do seu pai decidiu estudar para técnico agrícola, foi morar num colégio agrícola em outra cidade.
     Pela tradição já conhecida dos colégios agrícolas, associado ao seu gosto pela bebida e novas amizades, tudo o impelia para a boemia.
    Essa nova realidade foi muito marcante em sua vida noitadas, festas, bebidas, mulheres ele teve contato com a maconha e entre um baseado e outro, conheceu uma jovem também da balada e começaram um romance.
      A sua estadia no colégio agrícola não foi muito duradoura ele logo percebeu que não tinha vocação para técnico agrícola, abandonou o colégio.
      Ainda tinha os sonhos de criança, mas a realidade mostrara que a engenharia estava fora de cogitação, por não poder arcar com os custos desse curso, o sonho de ser radialista continuava, mas por hora não via como realizá-lo.
    O seu romance e as noites de prazeres continuavam, mas era urgente a necessidade de arrumar um emprego, foi quando começou a trabalhar como vendedor de uma empresa então casou-se.
    Depois de um tempo foram para São Paulo, foi trabalhar num banco, nas horas de folga fazia bico no comercio, fazendo propaganda nas lojas, pelo seu dom para a comunicação e a intimidade com os microfones conseguia bastante trabalho.
    Mas o seu gosto pela bebida e por jogos continuava, ganhou e perdeu muito dinheiro em salões de bilhar, chegou a perder um carro certa vez que ficou por quase vinte quatro horas no salão, só foi embora quando não tinha mais o que apostar.
    Também cansou dessa vida, voltaram para o interior na mesma cidade, mas o sonho de ser um radialista continuava só que agora ele tinha outro sonho ter filhos. Tentavam não conseguiam, por fim adotaram um menino, depois de um tempo tiveram outro. Mas o casamento começou a não ir bem, até que chegaram à separação.
    O “menino” agora tinha que recomeçar sua vida, sofreu muito foi difícil, durante um tempo bebeu muito, até que decidiu superar tudo. Foi para uma cidade próxima, trabalhar na prefeitura num posto de saúde e fazia bico ajudando o locutor na rádio local.
     Um dia devido a alguns problemas o locutor não poderia apresentar o programa, o diretor da rádio o convidou para substituí-lo.
     Ele viu aí a oportunidade de realizar o seu sonho, deu tudo de si, com o seu talento e sua bonita voz agradou o público e o diretor que o convidou para apresentar um programa, onde o salário seria o que arrecadasse com publicidade, dividido a cinqüenta por cento cada um.
      E assim ele por um tempo, foi radialista tinha um programa a noite na rádio, nos finais se semana participava de eventos, festas, rodeios e outros shows.
    A vida começou a melhorar, através do rádio conheceu muitas mulheres, porque um radialista em uma cidade pequena tem status de artista.
     Essa mudança de vida e os meios que frequentava fizeram-lhe bem, moderou a bebida e mudou alguns hábitos antigos. Nesse ínterim conheceu uma pessoa que contribuiu para a estabilidade de sua vida, uma mulher aproximadamente de sua idade com um filho adolescente e outro ainda pequeno.
      O “menino” agora realizara outro sonho, o de ter uma família feliz, depois de um tempo deixou o emprego na prefeitura, o programa da rádio e mudou-se para outra cidade, atualmente tem um emprego numa conceituada empresa.
     Hoje aquele “menino” é um cinqüentão vive tranqüilo com sua esposa e filhos leva uma vida estável, mas nem por isso pacata. Tem a vivacidade de outrora, talento e boa voz, não deixa passar uma oportunidade de pegar um microfone, fala por horas seguidas e de variados assuntos.
     Ao conversar com ele nota-se no brilho de seus olhos que o menino sonhador ainda continua ali dentro, mas com outros sonhos agora bem diferentes, sonha progredir na empresa, sonha em dar conforto para sua família, não sonha mais sozinho, nesses está sempre presente a família.
     Analisando sua vida podemos constatar que apesar de todos os momentos difíceis, das derrotas vemos que tudo valeu a pena pois a suas conquistas foram maiores, e que o menino sonhador venceu.

INSPIRADO NA HISTÓRIA DE VIDA DO MEU AMIGO DE INFÂNCIA FLÁVIO COELHO.
João Batista Stabile
Enviado por João Batista Stabile em 21/06/2015
Reeditado em 18/09/2018
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