823-ECLIPSE OU APOCALIPSE ?

O ”Repórter Esso” na voz de Eron Domingues havia anunciado na véspera:

— Amanhã ocorrerá o eclipse total do sol, que será visível plenamente na região do Norte de São Paulo e Sul de Minas. Terá inicio às nove horas e se prolongará até o meio dia.

O dia 20 de maio de 1947 amanheceu nublado e com chuvisqueiro. Vesti um pequeno paletó por cima do uniforme e lá fui para o ginásio, preocupado com o ponto de história que não havia decorado para a aula daquela manhã. Preocupação inútil, como se verá.

A primeira aula começou normalmente, ás sete e trinta. Mas antes mesmo de chegar ao fim, ás oito e quinze, começamos a notar que o dia estava ficando mais escuro.

— Hoje vamos ter um intervalo maior e vocês vão ficar no pátio interno. — Avisou Irmão Germano, antes de dar a aula por terminada.

Explicou em rápidas palavras o que era um eclipse e que ia ficar escuro, mas que os alunos não deviam ficar com medo.

— Não olhem para o sol diretamente.

Sol? Mas que sol? Continuava garoar e eu sentia frio, apesar do agasalho. O pátio interno era exíguo, um quadrado entre as salas de aulas, pequeno para os cinqüenta e oito alunos da primeira série. Zé Luiz havia levado pedaços de chapas de raios-X com as quais se podia olhar. Vendeu alguns pedaços para os colegas, mas foi um péssimo negócio para quem comprou.

A escuridão aumentava a cada minuto. As luzes do pátio foram acesas. A garoa continuou. Nós, alunos, ficamos debaixo da área coberta em torno do pátio gramado. Às dez horas a escuridão era total. Alguns colegas menores ficaram com medo e voltaram para a sala de aula, com todas as luzes acesas.

O céu não abriu um só instante, e só sabíamos que era eclipse pela escuridão, que começou a dissipar pelas 10 horas. As onze foi dado sinal e voltamos para a sala.

aula era de religião, mas ninguém prestava atenção. Com o fenômeno passado, todos conversavam entre si, até os mais medrosos queriam saber detalhes.

Irmão Fidelis não conseguiu explicar nada, ninguém prestava atenção. Notando que seria inútil manter os meninos até meio dia, usando de sua autoridade (era também diretor do ginásio), dispensou-nos.

Em dez minutos eu voltei para minha casa, onde havia uma reunião de senhoras, conversando animadamente, em torno do aparelho de rádio (o único do quarteirão), que irradiava notícias sobre o evento.

Meu pai havia aderido ao grupo, a fim de ouvir a transmissão dos fatos do eclipse. Nada dizia e olhava para as mulheres, todas com cara de medo ou apreensão.

Parece que os cientistas que haviam estabelecido pontos de observação em Poços de Caldas, em Extrema e em Bocaiúva, no sul de Minas, não lograram boa observação, devido às nuvens de chuva que se estenderam, naquele dia, por toda a região. Mas um avião adaptado (coisa de americanos) havia sobrevoado acima do lençol de nuvens e obtido boas fotos e muitos dados científicos ligados ao eclipse.

Acho que a reação mais interessante foi feita por uma vizinha, Dona Nazaré que ouvia as notícias com terço na mão, entremeando as orações com comentários. Durante muitos dias, meu pai comentou com mamãe:

— A coitada da Nazaré tremia de medo e pedia em voz alta que Deus nos livrasse daquele APOCALIPSE!

ANTONIO ROQUE GOBBO

Belo Horizonte, 3 de fevereiro de 2014

Conto # 823 da Série 1.OOO HISTÓRIAS

Eclipse total do Sol em 20 de maio de 1947

Antonio Roque Gobbo
Enviado por Antonio Roque Gobbo em 12/06/2015
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