Duas Joyces
É minha segunda semana na Universidade Federal do ABC e parece que voltei para o ensino fundamental. Me sinto novamente um renegado, sinto toda uma aversão pela maioria das pessoas e muito poucas me atraem ou são atraídas por mim, e de certa forma isso é bom ao mesmo tempo que não é.
Em um dado dia, uma segunda-feira não muito memorável, cheguei quarenta minutos atrasado para a aula e o professor pediu para que respondêssemos duas questões que estavam na lousa, em grupo. Juntei-me a duas garotas e um outro rapaz, todos também estavam atrasados, formamos um grupo e demos início. Respondemos tudo rapidamente, e ficamos papeando. Uma das garotas se chama Joyce. Ela é magra, jovem, tem estatura mediana, cabelos compridos e escuros, olhos pequenos, olhar sereno e alegre. Suas feições chamam a atenção e são difíceis de definir, pode-se dizer que ela tem um charme bastante único. Seus seios são pequenos e também não tem muita bunda, mas é muito bonita de se ver, é fácil admirá-la pelas formas. Ela sorri bastante e abertamente, pude perceber que ela é muito inteligente e muito simples ao mesmo tempo, não é uma pessoa enfadonha ou esnobe. Joyce contou-me um pouco de suas histórias e foi muito agradável, demos boas risadas.
É um alívio encontrar pessoas assim no meio de tanta gente sem sal. Pessoas assim são sopros de vida, são raios de Sol nos dias frios, são raridade. Depois daquelas risadas minha segunda-feira ficou bem menos insuportável e pesada. Não conheço ela profundamente, mas achei-a bastante amável em comparação com os demais.
Naquela mesma segunda, na fila do restaurante universitário, conversei com outra moça. Ela lê Dostoiévski e Tolstói e ouve Tchaikovski nas horas vagas e de todas as pessoas que pude conversar ela me pareceu a mais profunda e ainda que essa profundidade tenha me assustado um pouco no início, depois ela se mostrou bastante gentil e educada também. Ela se chama... Joyce e é muito bonita, tem lindos olhos grandes e acastanhados, cabelos escuros e médios e feições delicadas. Não pude reparar muito em seu corpo pois estava usando blusas pesadas, mas parece ser magra e esguia, contudo é formosa aos olhos. Almoçar com essa Joyce me proporcionou uma conversa muito agradável e isso também faz toda diferença. Não posso fazer nada além de elogiá-la. É outra Joyce que pude conhecer no mesmo dia e foi outra surpresa agradável. Essa Joyce se sente de forma muito parecida comigo em relação a faculdade (ela também não acha isso tão incrível como todos os outros, para nós dois não há nada de mais especial aqui do quê em qualquer outro lugar) e também é depressiva, por isso, acabei por me identificar muito com ela.
Antes, eu atraia todo tipo de insano e estranho, todo tipo de derrotado, eles eram como mariposas, e eu era uma luz irresistível. Eles vinham e ficavam ao meu redor, me encontravam no meio de qualquer multidão. Hoje, atraio também os depressivos, e não que me sinta mal por isso ou desdenhe da companhia deles (muito pelo contrário, acho que os depressivos são normalmente mais interessantes que os demais), mas me é curioso, eu nunca entendi a atração que exerço sobre esses públicos.
Eu estava preocupado porque achei que aqueles dias de isolamento e segregação haviam voltado, mas por sorte conheci pessoas legais, pelas quais vale um pouco mais a pena atravessar o fogo que é essa rotina de acordar cedo e encarar trem e ônibus e rostos horríveis, rostos que não consigo suportar, pessoas que são como manequins, pessoas secas, murchas, desinteressantes.
Não sei se a Joyce fã de escritores e compositores russos gostou de minha companhia como gostei da dela, tenho apenas palpites. Contudo, espero verdadeiramente que tenha sido bom para ela também. O namorado dela é um rapaz sortudo, se cuidar bem, terá uma companheira muito interessante para passar os dias longos, os dias pesados, os dias que restam para todos nós.
Me despeço e rumo para o ponto pensando na coincidência disso tudo e que de alguma forma, ainda me restou alguma sorte, ainda me restou algum amor (ainda que pequeno) pelas pessoas. Eu poderia odiar quase todas as pessoas, quase todas, mas não consigo por culpa (ou mérito) de tão poucas, como Joyce e Joyce.
Os ventos de fim de outono já sopram gelados, as árvores balançam tremeluzentes, as nuvens cinzentas seguem vagarosas pelo céu branco e a garoa cai vacilante. O ônibus se aproxima e eu me levanto, ajeito as calças, me despeço de Joyce e de Tolstói e de Dostoiévski e me junto ao aglomerado que se forma, esperando o motorista abrir a porta. Quando ela abre e finalmente consigo embarcar, depois de muitos, adentro novamente o fogo da rotina e me sento em um dos bancos, esperando as frias chamas me consumirem mais uma vez, e mais outra, e outra, e...